Eu o conheço há muitos anos, de cumprimentar, uma conversa às vezes e quando vizinhos há mais de 12 anos, parávamos na calçada para papear. Gostava de ouvir as histórias contadas por ele, sempre repetidas, mas eram seus troféus. Nunca soube o nome completo, mas eu o batizei de Nelson Mentiroso. Andava com sua bengala devido às dificuldades de locomoção por causa de uma queda tempo atrás.
Qualquer assunto que surgisse ou puxava conversa ele já sabia de antemão ou já tinha se envolvido. Repetia que tinha uma espalha chumbo e um revólver.
- Se entrar na minha casa dou tiro! – Era seu mantra contra a violência e furtadores. Nelson Mentiroso, já com seus 70 anos, andava solitário, triste com o idolamento da aposentadoria e a única filha de um relacionamento antigo nunca o procurava.
Notei que estava com olhos vermelhos, pesaroso e desenxabido da vida e se abanando para refrescar do calor que causou uma sensação de quase 60 graus em Joinville nas últimas semanas. O vi encostado no murinho baixo na frente de sua casa, estacionei o carro e fui prosear com o sujeito. Há anos não falava com ele e pensei que tinha morrido.
- Buenas vivente. Está vivo ainda? Capim ruim não morre! – brinquei com ele. E sem mostrar os dentes me respondeu:
- Boa tarde seo moço. Sumiu e esqueceu dos amigos? Eu quase passei dessa para a melhor, Que Deus me valha e me leve logo. – desabafou Nelson.
A prosa já entornou e tentei entender o sofrimento. Afinal sempre foi contador de vantagens, metido a brabo apesar deus 1m60 e porte de peso pena.
- O que houve seo Nelson, porque esta tristeza no coração?
- Ela foi embora...me deixou um vazio por dentro, respondeu.
- Mas a Paçoca morreu, fugiu? Me referi a cachorrinha vira-latas que era o xodó do Nelson.
- Não! A minha paçoquinha se foi faz 10 anos. Quem partiu foi Tânia Regina.
- Mas quem é Tânia Regina? Outra cachorrinha?
- Não te faça de bobo, é uma mulher que eu trouxe para cá. Estava muito sozinho. Respondeu com vigor e com certa mágoa no tom de voz. Aí o assunto me interessou e sentei no murinho, querendo saber mais.
- Mas o que houve? questionei.
- Um dia cheguei em casa e estava tudo vazio. Responde com os olhos cheios d`água.
- Entendo quando se perde alguém que se goste a gente sente um vazio interior, na alma, o coração fica magoado e a tristeza nos afeta e adoece. Comentei de forma compreensiva.
- Não foi meu coração que ficou vazio, foi a casa. Ela encostou um caminhão enquanto eu fui no banco lá no centro pagar as contas e se mudou levando todos meus móveis, explicou com a boca espumando de raiva.
Senti que a traição foi mais do que o sentimento partido no coração de Nelson. Seu bolso ficou com um furo e a algibeira vazia. Parei, dei um abraço nele e disse que deveria seguir meus compromissos e na despedida eu falei:
- Nelson nada de namoradas e larga essa tampa de caixa de sapatos que está se abanando e compra um ar condicionado. Veinho assim, com este calor pode enfartar.
- Mas some daqui e vai tomar no .... Não estou puto porque ela foi embora. Ela levou meu ar condicionado e agora tenho de ficar aqui contando a mesma história para os enjoados e me abanando.
Levantei rapidinho e escondi o riso. Fica o conselho aos meus amigos velhinhos. Chumbem o ar condicionado, amarrem com grilhões de aço. Esperem para namorar no inverno, mas nada de comprar lareira portátil.
Como o calor está perto de 60 graus neste domingo, bom mesmo é tomar banho nas águas límpidas e geladas do Cubatão ou do Piraí.
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