sábado, 1 de junho de 2024

A CARTA QUE NUNCA CHEGARÁ

Era bem cedo e os campos ainda estavam cobertos de fina camada de geada. O bater de cascos era ouvido de longe, mas Heloísa não deu bola, afinal muito tropel havia o dia todo pela estrada, mas aquele era um diferente. Minutos depois ouviu alguém bater palmas na frente da casa.


  • Clap! Clap! clap! Ouviu mais forte. Foi atender, com certo medo, era meio cedo e a  cerração dificultava a visão e a geada branqueava o cerro.


Abriu uma fresta da janela e reconheceu Pacífico, um jovem uruguaio bem apessoado de quem ela sentia carinhos bem intensos, em seus sonhos, sem nunca tê-lo tocado. Imaginava como teria sido se um dia tivesse sido beijada por ele, um ginete dos bons, campeão das competições de laço comprido e vencedor de várias corridas de cancha reta. 


  • Buenas senhorinha Helena, su papá  Honório está?

  • O Pai está lá pra fora, apartando um bezerro que nasceu, respondeu.

  • Vim me dar adeus ao senhor seu pai e agradecer pela amizade de tantos anos com nossa família.

  • Mas o que houve? Me conte o acontecido?

  • A chuva levou a casa, o mangueirão, as matrizes prenhas e a casa não existe mais. Vou para cidade ser peão de oficina. Dizem que tem vagas. Mas meu assuntamento com seu pai é para vender este baio ruano com todo o encilhamento. É novo e  bom de lida com sela  nova. Só levo o xergão que vai ser meu colchão. Seo Honório me paga o quanto e quando ele puder. Mando uma carta lá do pago que eu me aquerenciar.


Heloisa calou por segundos, emudeceu e gotas de lágrimas escorreram de seus olhos. Sentiu um sufoco em seu peito e dificuldades de respirar. Era muita emoção, choque e surpresa e principalmente a dor de que nunca mais o  veria. Fez um sinal com a mão de que esperasse um instante. Voltou com uma mala de garupa e dentro dela duas lembranças que ele deveria aceitar e levar.


  • Toma el poncho de mi padre, te mantendrá abrigado en el frío del invierno, acepta esta plata como depósito para el caballo. Entonces hablaré con mi padre. Disse Heloísa desviando o olhar para ele não perceber a sua tristeza pela despedida.

  • No puedo aceptar. Es el poncho de lana uruguaya de tu papá.Respondeu o peão que nasceu em 33 no Uruguai mas vivia nas estâncias da região deste piazote.


E por último ela abriu um lenço branco que trazia junto de si. Abriu e mostrou para ele ofertando o mimo.

  • Leve junto ao seu peito esta roseta que caiu do bridão de seu cavalo, na cancha reta do Caverá. Peguei como recordação e agora você leva meu coração junto a você por toda a vida.


Ele emudeceu, pois nunca havia achado a roseta depois daquela tarde quando venceu o certame por uma cabeça. E a revelação desse amor, também o deixou meio sem rumo, mas não podia se deixar levar por sentimentos. Tinha de seguir adelante.


Se olharam nos olhos profundamente. Amarrou as rédeas do baio na cerca. Aceitou os presentes e disse adeus.


Ela o beijou no rosto e sabia que nunca mais o veria, e nem receberia a carta, pois Pacífico nunca soube ler e escrever, mas quem sabe alguém escreva por ele, ela pensou com esperanças de um dia reencontrá-lo.


La esperanza es lo último que muere.


Nunca deixe de beijar quem lhe agrada. Beijo adiado é beijo perdido, diria Heloisa.


Vamos adelante e despacito. 




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