Era uma noite de lua cheia, clara, que resplandecia por sobre a sanga de água corrente que atravessava a localidade. Tonico sentou em um cepo que ficava na varanda da casa de madeira, tirou os calçados, esticou os dedos e enfiou os pés nas alpargatas. O cusco veio faceiro para dar as boas vindas ao companheiro que trabalhou o dia todo. Era cedo ainda, final de tarde de inverno, quando os dias encurtam e as noites espicham.
Viviam só os dois companheiros. Tonico contava como foi seu dia, perguntava como havia sido o dia do cusco que tinha um nome pomposo. Atendia por Duque, sendo que ao ser chamado de Duque dos Pampas, ficava ainda mais garboso e exibido. Duque ouvia atentamente a prosa do amigo e assentia com a cabeça. Jantavam juntos e apreciavam uma novela, sentados no sofá. Era comum uma bacia de pipocas e quando sobrava uns trocados preparavam um mocotó para dar “sustança” nas noites das terras frias. Duque era afortunado, o maior osso era o dele. Escolhia aquele que tem bastante tutano.
Em uma dessas noites, de luz cheia enorme e clara, os morcegos estavam mais agitados como de costume e Duque uivou como se fosse um grande lobo. Mistura de valentia e medo. Queria espantar o imenso morcego que voava bem perto dos dois. Sentiram um vento gelado balançando as folhas das árvores e Tonico convidou Duque para entrar, trancar as janelas e portas. O que sentiu era um presságio de que a noite seria longa.
Não pregaram os olhos. O vento assobiava e o ar gélido invadia as frestas e matajuntas das paredes. O grande morcego não dava trégua, um par de corujas se instalou no mourão e dali observava com olhar fixo a casa de Tonico e Duque. Um urutau, ou conhecido como mãe da lua se postou em um cerne de angico e dali soltava seu cântico que chama a morte. Maus presságios de uma noite de lua.
Duque procurou proteção enfiando o focinho nas costas de Tonico, que estava sentado no sofá, já roído pelo tempo. O lençol que cobria o sofá dava um ar de assombração. Por volta da meia-noite ouviram batidas fortes nas portas da frente e dos fundos. Tonico não saiu do sofá e não foi atender. Sabia do que se tratava. Minutos depois iniciaram arranhões fortes nas portas e janelas. Arranhões com garras poderosas, enormes. Também não foi ver do que se tratava, pois já sabia. Só quem nada sabia era Duque que na sua inocência de amigo e companheiro não conhecia alguns segredos de seu companheiro de casa, por quem ele tinha muita afeição e o esperava o dia inteiro. Assim foram horas torturantes durante toda a madrugada.
Por volta das seis e meia da manhã os primeiros raios de sol começaram a clarear o dia. Os pássaros se foram, o vento cessou e as batidas e arranhões não se ouviram mais.
Tonico principiou fogo no fogão a lenha, passou um café forte no coador de pano de algodão, serviu a caneca esmaltada, fez o sinal da cruz e desenhou uma cruz de sal no batente da janela.
Duque, vamos lá fora, convidou. O companheiro deu um pulo do sofá e correu rápido para encontrar o amigo. Tonico abriu a porta e viu os sulcos dos arranhões na porta. Cortes profundos de garras poderosas, sedentas de vidas e almas.
Terminou o café, olhando o horizonte, vestiu o casaco de lã, soltou a caneca na mesa da cozinha e antes de sair para o trabalho parou na porta. Deu um abraço no Duque dos Pampas e olhando em seus olhos garantiu:
Hasta luego mi valiente perro. Prometo que nunca volveré a ser curandero o brujo.
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