Tesouros de João Maria
Cada vez que passo em Irani, no meio-oeste catarinense em direção a Erechim, paro no Cemitério do Contestado onde há sepulturas, e um pequeno museu. Do outro lado da Transbrasiliana (BR-153) um monumento à luta e aos mortos da Guerra do Contestado. Uma enorme cruz segurada por duas mãos.
Me recordo da infância quando ouvia histórias de gente que sumiu no mundo em busca do tesouro do Contestado. E na semana passada li matéria da colega Ângela Bastos na edição digital do portal NSC, sobre o Assalto ao Trem Pagador, ocorrido em 1909 pelo grupo liderado por Zeca Vaccariano, um empreiteiro que tinha de pagar os trabalhadores na construção da ferrovia. Como levou calote dos donos da ferrovia, resolveu recuperar seu prejuízo confiscando valores do trem. Fato ocorrido no meio oeste catarinense alguns anos antes do conflito que contestava as linhas demarcatórias de Santa Catarina e Paraná. (1912-1916).
Há casos contados pela minha avó Elvira de que alguns agricultores arando a terra encontraram baús recheados de ouro. Muitos acreditavam na maldição do monge João Maria, pois profanaram segredos do líder messiânico e sumiram no mundo sem deixar rastros.
Isto reavivou minhas lembranças dos causos contados em casa, ou que ouvia da conversa dos adultos. O mistério dos monges João Maria permeia a cabeça de muita gente e principalmente há pouco mais de 100 anos quando houve o conflito e as disputas a sangue por todo o território do meio-oeste é de acreditar que algumas moedas de ouro e prata ficaram enterradas.
Muita gente veio do Rio Grande do Sul se aventurar em terras catarinenses nos anos 30 em diante, quando começaram as colonizações, criação de cidades, desmatamentos para fazer lavouras e o início da agroindústria com os cooperados. Era terra barata e de boa qualidade para plantio. A terra era arada com uma junta de bois. E quanto a parelha empacava sem força pois o arado havia engatado em alguma pedra ou toco de árvore restante do desmatamento. Alguns tinham uma surpresa. Poderia ser um baú, armamentos enterrados ou algo mais valioso.
E na faixa que vai de Canoinhas-Porto União descendo pelo Meio Oeste até chegar em Marcelino Ramos no Rio Grande do Sul, foi palco de batalhas. Volta e meia achavam garruchas, munições, espingardas, espadas, facas, usadas nas peleias e também ossos de pessoas que morreram e ali ficaram com suas roupas dentes de ouro, algumas moedas de prata nos bolsos.
Volta e meia eu ouvia falar de algum conhecido, vizinho ou parente de alguém que em busca da riqueza fácil se aventurou em busca dos tesouros, que acreditavam existir. Um deles era um próspero comerciante de pedras preciosas e semi-preciosas. Se paramentou com detector de metais, mochila, alforje, barraca, enfim tudo o que precisava para andar pelos campos onde haviam ocorrido as batalhas e achar algo valioso e assim “enricar”. Até uma égua nova comprou com todo o encilhamento necessário.
Se despediu da família. Deixou uns trocados para a mulher e recomendou que ela não deixasse faltar nada para os cinco filhos. Além de um maço de Cruzeiros entregou a ela um saquinho de feltro com pedras que valiam muito e deixou dito: - Se algo acontecer de eu não voltar, vá vendendo estas pedras. Fale com o ourives que ele sabe o que fazer. Despediu-se de todos, montou na égua e seguiu a trotezinho em direção a Santa Catarina. Na época, a travessia era de balsa para cruzar o rio Uruguai abaixo do Estreito ou cruzar a ponte férrea em Marcelino Ramos. Seguiu pelo traçado em direção a Irani, onde acamparia e começaria sua caça aos tesouros do Monge, ou de algum comerciantes, fazendeiro que tenha enterrado sua riqueza para fugir dos saques das batalhas. Ou quem sabe ainda haveria um baú com moedas de prata confiscadas do trem. Ou uma “boca rica” com alguns dentes de ouro. Era fácil. Só sacudir esqueletos que os dentes de ouro se soltavam.
Passaram anos sem que voltasse com sua riqueza, seu tesouro. Enquanto isso a mulher foi vendendo as pedras, criando os filhos e tocando a vida, de forma modesta. Sempre com a esperança de que um dia o marido voltasse com algum tesouro, ou que só voltasse para conhecer os netos.
Volta e meia alguém dava notícias de que ela havia sido visto em alguma localidade e o peito dela se enchia de esperanças. Outros informavam que estaria enterrado no cemitério, ou que se perdeu em uma caverna.
Em um final de tarde de tempestade, o sol sumiu por volta das 16 horas. Era chuva que Deus mandava. Ela fez uma cruz de sal em cima da mesa para Santa Bárbara acabar com a tempestade. Neste momento, ouviu a porta da cozinha ranger e ser arranhada por fora. Era um som distante como se fosse uma mistura de apito de trem e uivo de lobos. Parecia que alguém estava tentando entrar, mas não com batidas e sim com arranhões em uma causa desesperada, como se estivesse dentro de um caixão enterrado vivo e tentando sair ou pedindo socorro. Mesmo com temor, ela abriu a porta para ver do que se tratava. Ninguém. Apenas um vento gélido acariciou seu rosto, espalhou seu cabelo e percorreu seu corpo como se fossem carícias. No momento ela sentiu que algo era definitivo. Ali ela recebeu o mandado do Céu de que ele nunca mais retornaria.
Eu havia planejado uma incursão pelo Contestado. Já que em breve vou me aposentar e poderia empreender uma cruzada em busca de tesouros. Seria bom, enriquecer, colocar uns dentes de ouro, pelo menos na frente para brilhar quando sorrir, comprar uma propriedade, encher de ovelhas e ficar mateando
Mas, lembrando este causo que a vó contava, acho melhor nem parar mais ali no Cemitério do Contestado. Vai que o João Maria desconfia que estou de olho nas patacas enterradas. Bom feriado de Finados a todos.