Nosso Império era a rua
Ainda tive o privilégio de ter uma infância excelente, quando tínhamos amigos, vizinhos, brincadeiras saudáveis e tudo isso na rua, ou nos pátios de alguma casa, o que a geração de hoje nem imagina o que é subir em pé de bergamota, laranja, caqui, goiabeira.
A rotina em tempos de escola era mais ou menos igual. De manhã acordava cedo, mesmo com frio e geada tinha de ir para a escola a pé. Quando chovia muito o morro era “incaminhável” e “insubível” e daí tinha de andar um pouco mais e ir pela rua de calçamento. Nada demais, uma volta de uns 300 metros a mais de caminhada dando a volta na quadra.
Meio dia terminada a aula era hora de correr para almoçar, mas já havíamos comido a “merenda” que era um pratão de comida feita na cozinha da escola pelas zeladoras. Tudo gente conhecida ali da vizinhança mesmo.
Tarde e noite eram os períodos de maior prazer. Primeira condição era fazer o “tema de casa “, já no início da tarde para ficar livre o resto do dia. Mas antes de ir para a rua com a piazada eu tinha um ritual. Gostava de assistir o Batman, Tarzan e o National Kid e desenhos como Homem-Aranha, João Grandão, Corrida Maluca, Pica-Pau, Coyote, Patolino, Pernalonga, Tom & Jerry, Flintstones, Jetsons, Manda-Chuva e tantos outros.
Em dias de sol, uma volta de Monareta pela quadra e depois se reunir com a quadrilha de vizinhos para as tradicionais brincadeiras. Nunca fui de jogar futebol. Não tinha físico, nem habilidade para isso, mas brincadeiras de carrinho, cowboy, subir em árvores, andar longas distâncias de bicicleta pela cidade e até interior era muito aprazíveis, jogar bolita (bolinhas de gude), trocar figurinhas de álbuns e as que sobravam bater figurinhas, cabo de guerra e várias outras atividades ao ar livre.
Nas noites de verão a turma aumentava daí vinham também os que estudavam de tarde. Após seis horas da tarde estavam livres e as brincadeiras eram de se esconder, pegador, garotas saltavam elástico e faziam umas coreografias estranhas e pulavam na calçada com quadrados feitos de giz. Mestre Mandou, Passa Anel, telefone sem fio. Assim íamos até perto de meia noite
Também era divertido caçar vagalumes que colocávamos dentro de um vidro para observar ele acender a lanterninha. Algumas malvadas escreviam nos muros com o vagalume, Crueldade. Na “lanterna” do vagalume tem um pó fosforescente e esfregando o traseiro do inseto dá para escrever. Isto é ciência.
Mas um dos meus melhores prazeres de infância, além de comer era o banho de chuva. Aquilo era muito bom. Andar só de calção na chuva, brincar na lama, fazer represa na valeta, soltar barquinhos de papel. Imaginar a calha do telhado como se fosse uma imensa cachoeira. Claro que às vezes ficava com dor de garganta, alguma febre, mas na maioria das vezes nem sentia nada, afinal tínhamos anticorpos, pois vivíamos na rua. A minha mãe sempre repetia que eu era vacinado com a poeira da rua, pois pouco ficava dentro de casa. Afinal a diversão era lá fora. Dentro de casa era chato. A maior diversão era a TV mas o horário de assistir era regulado. Restava inventar brincadeiras, subir e árvores, percorrer a vizinhança.
Neste 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil Nossa Senhora Aparecida, também se comemora o dia das crianças. E rezamos para que a padroeira olhe pelo futuro dessa criançada que está crescendo sem nunca ter descido de uma prisão de apartamento ou de terem país chatos que proíbem a criança de tudo. Nada podem fazer. Tem um colega de trabalho que vive com medinho pois a mãe repetia sempre:
- Fulano não vai aqui. Fulano não faz isso. Fulano fica dentro de casa. Fulano não vai sujar a roupinha. Legítimo piá de prédio. Mas pelo menos eu aproveitei minha infância e meus filhos também, pois a rua era nosso império, sem mimimi nem traumas.
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