Poliglota
Há muitos anos passei em frente ao Bar Glória do Rudi, num final de tarde quente. Pedi uma cerveja gelada para refrescar, espantar a poeira e limpar a garganta. Como sempre meia dúzia de gambás que batiam o ponto debruçados no balcão e numa mesa de canto um homem falando sozinho. Imaginei, deve ser mais um doidinho desses que andam por aí, ou já encheu os cornos de schnaps.
Servi o primeiro corpo e bebi com gosto num gole só. Enchi o segundo copo Catarina, um luxo para o bar, mas tinha alguns exemplares. Enquanto bebericava, ouvia o sujeito falar sozinho em quatro idiomas.
Come set here. Entendi perfeitamente e até pensei que fosse um convite para fazer companhia ao falante solitário.
s'il vous plait, approchez-vous. Também entendi. Nessa altura eu já havia bebido três copos de cerveja e com certo nível de bebidas a gente fala até russo e javanês. Pensei, o que este cara tá querendo. Convidando quem chegar mais perto?
Continuei na observação e pedi um Boonekamp que é bom para digestão, uma bebida joinvilense feita de ervas. Mais amarga que a saudade de um amor desfeito. Um pouco de silêncio e o cliente pediu uma branquinha. O bolicheiro levou. Ele bebeu num gole só aquele copinho feito para uma dose da “marvada”.
Kommen Sie näher, um Wurst zu gewinnen! Falou o homem com tom mais enérgico. Como não entendo nada de alemão. Perguntei a outro cliente o que ele havia falado. Aquela língua é bem difícil. Um senhor de uns 70 anos, roliço feito barril de chope, rosto vermelho e com estrias marcantes no rosto. Tirou o boné e me olhou e traduziu: - Vem mais perto para ganhar linguiça.
Imaginei com meus botões. Este cara está de palhaçada.
Servi o quarto e último copo de cerveja, terminei o Boonekamp em um gole só e me levantei bruscamente para ir em direção ao banheiro antes de ir para casa. Fui em direção a mesa do falante solitário, que ficava perto da porta do banheiro, só masculino porque dificilmente alguma dama entraria ali.
Alí se desfez o mistério e meu pavor ficou estampado no rosto. Tremia, sem condições de correr porta afora. Congelado e imobilizado, assim fiquei.
Saiu de trás de um monte de engradados de garrafas vazias um enorme rottweiler, com cara de poucos amigos, dentes afiados e sentido matador aguçado
O gigante me olhou, olhei para ele e o latido foi ouvido a quilômetros na velocidade da luz. Paralisei. Vi minha alma saindo do meu corpo e lá de cima me vi com a jugular sangrando e o rottweiler se deliciando num pescoço gordinho.
Sorte que foi momentos de pavor. Em seguida o solitário falante ordenou:
Margarida, deixa o moço passar, senta aqui e come a linguiça com mostarda. Prontamente a Margarida me deixou passar e delicadamente começou a engolir os pequenos pedaços da Schweinswurst.
Passado o susto, me aproximei, perguntei ao acompanhante da Margarida como ela era poliglota. E ele esclareceu. Haviam morado no Canadá onde se fala inglês e francês. Até aí entendi, a Margarida foi alfabetizada bilíngue. E o alemão? A avó do dono da cachorra era moradora do Glória, falavam alemão em casa e Margarida ouviu e aprendeu e quanto ao português ela aprendeu nos botecos mesmo.
Guten Sonntag
Bon dimanche
Good Sunday
Bom domingo, Margarida.
E como hoje é domingo dia 20 de março, aproveitem para conhecer o Arquivo Histórico de Joinville que completa 50 anos. Durante todo o dia haverá visitação guiada e programação cultural. O Arquivos Histórico fica na beira rio.
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