sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Pedras rolam na barragem

 Pedras rolam na barragem


Na década de 70 construíram a barragem no rio Passo Fundo, que hoje pertence ao município de Entre Rios do Sul, no Alto Uruguai gaúcho. Por volta de 1973 foi inaugurada a usina hidrelétrica. Formou um grande lago, inundando várias áreas antes agricultáveis e de moradias e também afogando muitas lembranças, bens e segredos bem guardados.

 

Dois vizinhos, conhecidos da minha infância, costumavam ir para a “barragem” pescar e lá ficavam todo o final de semana. Levavam uma camioneta Chevrolet C-10 cor de vinho cheia de material de pesca, carne para o churrasco e muita cerveja. Grades cheias de Serramalte que gelavam na própria água do grande açude. Não faltava o limão e a cachaça para esquentar as madrugadas de pescaria.

 

Como é de conhecimento de muitos esta região foi palco de batalhas de revoluções entre chimangos e maragatos e também pelas forças que combatiam os nativos da região do Contestado catarinense, mas como a estrada de ferro cruzava para o Rio Grande do Sul, houve peleja por lá também.

Nas margens do imenso lago da barragem ficaram ruínas, cavernas de onde saiam as almas e assombrações durante a madrugada, principalmente de gente da cidade que ia por lá tirar o sossego de quem já foi combatido e se encontrava a sete palmos daquela terra antes abençoada.

 

Os dois pescadores se instalaram numa propriedade de um conhecido, armaram barraca, colocaram os engradados de Serramalte dentro da água, juntaram umas pedras e iniciaram o fogo para se aquecer e assar uma carninha e quem sabe algum peixe que conseguirem no anzol.

 

- Comigo é no caniço. Nada de tarrafa- se vangloriava um deles.

- Comigo é  na unha e se não der é no tiro – já se exibiu o outro com umas gasosas na cabeça e falando alto, deu uns tiros ao alto para mostrar valentia e bravatas ao amigo.

 

Por volta das cinco da tarde chega um senhor de certa idade e cumprimentou a dupla.

Buenas! Podem ficar aí já dei permissão ao capataz. Só vim falar para os amigos, sem querer ser enxerido, mas não abusem do palavrório e da conversaiada na madrugada. As almas não gostam e há quem diga que quando estão incomodados eles sobem do cemitério que ficou embaixo da barragem e rolam pedras nos importunos até que encontrem eles no fundo do rio.

O estranho deu de costas, golpeou o poncho por riba dos ombros e sumiu na escuridão com seu chapéu surrado, facão atravessado na cintura, garrucha no coldre e seguiu arrastando as esporas pelo terreno. Noite de lua cheia, céu estrelado e o vento balançando as folhas e galhos das árvores.

 

Os dois pescadores sentiram uma brisa gélida correr pelo espinhaço. Sentaram à beira do fogo. Cada um bebeu um talagaço de cachaça pura e ficaram olhando no horizonte da barragem a luz do luar refletindo e o homem caminhando sobre as águas em direção ao além.

 

Tchbum! Você ouviu? Perguntou ao amigo que estava petrificado sem poder falar nada. Alguns segundos depois:

Tchbum! pela segunda vez. Duas pedras grandes e pesadas rolaram para dentro do lago.

Os dois foram encontrados na segunda-feira pelo capataz. Estavam na mesma posição sentados à beira do fogo apagado, olhando o horizonte, já numa manhã de primavera. Uma beleza rara do sol raiando, pássaros cantando e a cerração levantando. Não viram esta beleza.

 

Foram avisados: Nada de conversaiada e barulheira neste local.

 



terça-feira, 16 de agosto de 2022

DO KM 4 AOS PALCOS DO MUNDO

 DO KM 4 AOS PALCOS DO MUNDO


Vive entre nós um dos maiores cantores líricos da atualidade. Seu prestígio internacional ajudou a trazer a Joinville grandes nomes do canto lírico e a montagem da Ópera Don Pasquale que será encenada na próxima semana na mais importante cidade catarinense. 


Poucos sabem, mas Douglas Hahn, nascido Speckhahn, de tradicional família do KM 4 do bairro Santa Catarina, chegou aos píncaros da glória nos maiores palcos da música erudita do mundo.


Tive o privilégio de assisti-lo várias vezes nos últimos 25 anos e domingo passado foi belíssimo o concerto na Sociedade Harmonia Lyra, que integra o 3 Festival de Ópera de Joinville. Douglas com o pianista Matheus Alborghetti e mais quatro grandes nomes. Um espetáculo gratuito, que você terá oportunidade de ver novamente nesta quinta-feira (18). Apenas dois quilos de alimentos que você troca pelo ingresso na bilheteria da Lyra. Estes concertos de altíssima qualidade foram possíveis graças ao apoio da Prefeitura de Joinville, através do edital de apoio cultural.


Mas a grande ópera cômica será nos dias 24 e 26, também no aristocrático. A busca de apoiadores obtidos pelo entusiasta e presidente da entidade Álvaro Cauduro oportunizou chegar à terceira edição. Para ver a ópera completa é muito barato. Basta comprar o ingresso pela plataforma eticketcenter.com.br  para a Ópera Don Pasquale.


Prestigie espetáculos desta qualidade. 




sábado, 6 de agosto de 2022

O TIME DE FUTEBOL QUE DESCOBRIU O “PARAÍSO”

 O TIME DE FUTEBOL QUE DESCOBRIU O “PARAÍSO”


Era comum nas tardes de verão e inverno, a piazada bater uma bolinha num campinho em meio aos pinheiros, no bairro Cerâmica, em Erechim. Isto no final dos anos 60 e início dos 70. Contavam as horas para acabar logo as aulas e correr para casa, comer alguma coisa, ajudar a lavar e secar a louça,  estender as roupas, passar uma vassoura na casa. Escovão e encerar o chão só no sábado de manhã.


Em uma tarde de sábado, de calor acima da média a gurizada jogou três partidas com os dois times de irmãos e vizinhos. Era os de camisa contra os sem camisa. As traves eram de bambu e a rede? Resolveram usando sacos de ráfia, daqueles que se usava para embalar frutas, pois eram de redinha e passava o vento, chuva e sol. Já tinham um estádio monumental no pinheiral.


Todos na faixa de 10 a 12 anos, porém um mais esperto descobriu algo espetacular. Descendo uns 700 metros pelo morro da cerâmica em direção ao trevo do aeroporto passava um córrego, um riozinho de água limpa. Isso há quase 60 anos. Não tiveram dúvidas e se aventuraram pelo meio do pinheiral até chegar na sanga que deságua no bairro São Cristovão.


Começaram a se refrescar sempre lá no final da tarde em determinado ponto do rio. Um dia resolveram terminar o jogo antes porque tinham afazeres em casa e deveriam estar cedo para se arrumar e ir na missa na Paróquia de São Cristovão. Resolveram subir pelo riacho naquela tarde escaldante, em direção a Frinape para ver de onde vinha o rio. 


E bem na curva começaram a ouvir vozes, risos e uma conversaiada que não parava. Não tinham visão devido aos arbustos. Ficaram quietos e foram espreitando por trás da vegetação nas margens do córrego. 


Com certeza descobriram o paraíso. Era melhor que um pote de outo no final do arco-íris.  Um grupo de moças nuas, seminuas, conversando, lavando roupas e se banhando. Aí descobriram que as garotas da zona do meretrício, que ficava do outro lado do córrego às margens da transbrasiliana (BR-153) iam ao riacho todos os dias para lavar roupas e tomar banho nas tardes quentes porque as donas das casas não queriam que gastassem energia com chuveiro. Elas que esquentassem a água em bacias no sol se quisessem.


Aquela visão era melhor do que fazer 13 pontos na Loteca. E ali ficaram observando, observando e desejando. E o sol foi se pondo, as moças se recolheram porque em breve anoiteceria e a “função” iria começar com a chegada dos primeiros clientes.


A gurizada sumiu para casa, correndo pelo meios das araucárias. E um grupo de seis irmãos conhecidos da Cerâmica chegaram em casa com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança. Todos segurando a camiseta enrolada nas mãos postadas em frente aos calções. Entraram em fila indiana e correram para o quarto de três beliches. Cada qual na sua cama, bem quietinhos.


O pavor foi quando a mãe deles abriu a porta com uma vara de marmelo e mandou todos se recomporem. Colocou-os em perfilamento. Fez bater continência batendo a varinha de marmelo na mão e ordenou:


- Que papelão! Não quero nem saber onde estavam. Agora o “time do tico duro” vai direto para um banho frio, se arrumem que missa começa em 15 minutos e vamos pé. E foi chamando pelos nomes. Cada um que passava era um laçaço de marmelo no lombo para lembrar do acontecido.


Foi um corre-corre para ver quem ia para o chuveiro antes. Foram na missa das 18 horas, no domingo na das 10h e nada de futebol naquela tarde. A vara de marmelo continuava pendurava num prego na cozinha bem à vista de todos para lembrar de não mais se distrair no paraíso às margens do riacho.