quarta-feira, 30 de abril de 2025

O DICO SE FOI



Fomos criados juntos pela avó Elvira e pelos tios Lima e Lili que nos adotaram.  Vivemos na mesma casa até que a idade adulta nos separou para cada um seguir seus caminhos, mas sempre próximos por visitas, telefonemas e nos últimos anos pela internet.


Ficam ótimas lembranças de fraternidade, amizade, carinho, respeito, admiração e amor. Quando  ele foi servir o Exército eu estava lá com toda família para despedida na estação ferroviária rumo a Alegrete, onde deveria se apresentar no quartel designado. E dez meses depois nova recepção pelo retorno. Era uma festa grande. E com a volta veio um presente que guardei por anos, um carrinho de ferro, que abria o porta malas e as portas laterais. Um luxo. Era meu tesouro.


Eu era um chato e enjoado. Ele e o pai gostavam de ver jogos do Ypiranga. Me levavam e eu incomodava o tempo. Queria água, cachorro quente, pipoca, refrigerante e ir ao banheiro. Ele ficava correndo para lá e para cá comigo perdendo o melhor do futebol, principalmente se a batalha era contra o Atlântico, daí sim o incômodo era maior.


Sempre cavalheiro, calmo, solicito. Nunca o vi se alterar ou falar em tom ríspido com alguém. Foi um bom filho, bom pai, bom  marido, bom irmão. Sempre foi uma pessoa confiável, justa e admirável.


Sua vida chegou ao fim aos 74 anos.Estava sofrendo e não podemos querer manter o sofrimento de alguém só para ficar mais dias ou mais horas conosco. 


Ficam as lembranças de passeios, de churrascos, de festas, de alegrias e também de momentos difíceis que superamos ao longo de nossas vidas. 


Que Deus guarde sua alma. 


Meu irmão Saides se foi nesta terça-feira dia 29 de abril, pela manhã. Certamente está ao lado do nosso pai o seu Lima, com  quem ele conversava horas em silêncio, e junto da mãe Lili e da vó Elvira que o tinha o “Dico” como seu preferido. Estão em boa companhia, certamente em uma roda de chimarrão.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

CONVERSAS ÍNTIMAS DENTRO DO ÔNIBUS

Viajar de ônibus pode ser divertido e ouvir as conversas nos revela as intimidades e segredos que as pessoas falam, confessam, sem se preocupar com os passageiros ao lado, já que são estranhos e certamente nunca mais vão se ver. Sentei na minha poltrona, fechei a cara de bull-dog para que ninguém me cumprimentasse e nem puxasse conversa, mas os sem noção usam seus aparelhinhos no viva-voz. Não sei qual o prazer sentem em obrigar todos a ouvir o que estão falando com as outras pessoas do outro lado da linha.


  • Você é um jaguara, nunca pensei que você pensasse isto de mim, que fosse agir deste modo. O que você pensa que eu sou? Acha que vai ficar assim, que me usa e joga fora? Vou me cobrar seu cachorro. A baixinha estava furiosa e sussurrava com ódio ao homem do outro lado da linha que só disse - Vai te enxergar encardida.


No banco de trás um gorducho avantajado, parecia estar com voz embargada e lamentava a separação. 


  • Ainda gosto de ti. Não paro de pensar. Pensa melhor, e meu peito doi de ficar longe das crianças. Volto em alguns dias e vamos conversar de novo. Do outro lado, ela fala e ele com o viva-voz ligado permitindo que outros passageiros ouçam a prosa, mesmo sussurrando. Ela estava  escutando um desses insuportáveis sucessos sertanejos e mandou uma direta pra ele:  - Me esquece e não liga mais e se não mandar o PIX da pensão te boto na cadeia. Ao fundo ele ouviu uma voz de homem que gritou: - Larga essa merda de celular e volta aqui para a brincadeira! Só ouvi soluços de um choro preso no peito.

Uma senhora com certa idade avançada. Grita a pleno pulmões:


  • Fia, a mãe tá saindo, me espere na “radiovial” (certamente queria dizer rodoviária). A filha responde que está tudo bem e que a leitoa deu cria e que quando ela chegar vai conhecer os “netinhos”. A senhora feliz encerrou a chamada de vídeo com um “Que Deus abençõe os bichinhos”.


Na primeira fila do double deck no andar de cima, que é uma vitrine, um homem de meia idade, gordão, estava bem instalado, quando chega um outro com três filhos, sacolas, pacotes de biscoitos e o salgadinho fedorento de queijo que quando abre não se sabe se é mau cheiro de desodorante vencido, chulé ou falta de banho nas partes baixas. Educadamente, ele disse ao pai das crianças que cederia o lugar para que pudessem ver a paisagem durante a viagem e fugiu dali, chegaria ao final da viagem com um cheiro nada agradável e tapado e migalhas de salgadinhos.


Bom mesmo é quando o motorista sobe as escadas, acorda todos com a tradicional chamada: Meia hora de parada para o café.