Alcebíades desprezava duas raças. Negro e polaco não tinham serventia. E repetia para quem quisesse ouvir: O polaco é o negro do avesso. Nutria ódio inaceitável.
Fez fortuna, graças ao seu tino comercial. De pouco estudo, mas esperto, filho de colonos foi para a cidade, nos anos 60 deu um “peitaço” e comprou um caminhão Chevrolet fiado para transportar feijão. Trabalhava dia e noite. Virou cerealista com capital.
Tinha visão de comércio e do que a cidade precisava. Até então tudo era vendido em pequenos mercados, armazéns, bodegas e bodegões. As lojas de secos e molhados vendiam de tudo. Desde o parafuso até remédios, muitos até vencidos, mas afinal “o que não mata, engorda”.
As comunidades eram formadas de italianos, judeus e alguns poloneses que na visão dele, eram cachaceiros e faziam o serviço tipo “polaco”. Já os negros, sempre repetia: se não fazem no início, fazem na saída. “ era um sujeito odioso, racista, homofóbico (na época nem existia este termo). Mas sabia ganhar dinheiro. Criava empresas, empregava gente: menos negros e polacos. Era regra nas empresas.
Todos os dias ia para o trabalho a pé para não gastar gasolina nem as borrachas dos pneus do carro. Seguia pela mesma avenida e todos os dias desprezava um negro que varria a avenida da cidade. Era um gari da Prefeitura. Passava, sempre escarrava, dando a entender que nem para aquele nobre serviço o tal negro servia.
Algo atormentava sua alma. Sua única irmã gostava de homens negros. Tinha verdadeira paixão pelo Pelé. Claro que era um sonho inimaginável. Mas na solidão do quartinho dela, sonhava com uma companhia. Morreu solteirona e virgem, mas sonhando com seu rei da cor de ébano.
Assim se passaram muitos anos. Alcebíades não perdia a missa aos domingos. “Porco Dio, estes padres tudo do PT.”, resmugava às 11h ao sair da missa, mesmo sendo primo do padre. Não queria gastar, ia a pé até seu mercado para ver se todos estavam trabalhando.
Esta era a rotina. Trabalhava, acumulava dinheiro, abria empresas, expandia negócios pelo Brasil e exterior. Não gastava em roupas, nem ostentação. Usava sempre o mesmo sapato e o sapateiro já cansou de fazer meia sola. Contava centavos e empregava muita gente: menos negros e polacos.
Os ricos, da elite como ele o adulavam. Era um sujeito desprezível, porém poderoso. Dinheiro chama dinheiro. Casou com moça de família também rica, mas não dispensava a companhia de funcionárias após 22 horas quando fechava o mercado. Sua ostentação era uma Sidra das mais baratas que ele mesmo botava gelar para a ocasião. Seus pecados o padre perdoava na missa de domingo, já que eram primos, vieram da mesma cidade, foram criados na infância juntos. Famílias italianas eram grandes e a parentagem era longa.
Era uma quarta-feira de sol quente. Almoçou o que comia todos os dias: massa com molho de galinha feita na panela, polenta, radicci com bastante vinagre da colônia e pão. Não queria bacon frito porque o preço do porco estava muito caro. Tudo feito em casa. Um bicherote de vinho de garrafão da colônia que foi de seus pais. Não perdeu tempo em descansar. Foi trabalhar, porque alguém podia estar roubando ou fazendo corpo mole. Por isso não empregava negros ou polacos.
Seguiu sua rotina e faltando poucos metros para entrar em seu negócio e verificar se tudo estava em ordem, algo ocorreu. . Sentiu uma forte dor no peito, formigamento do braço, perdeu forças e caiu na beira da calçada. Uma luz muito forte turvou sua visão e alguém o amparou para não bater a cabeça no meio-fio.
Pensou: Che cazzo è? Non può essere. Dio è nero.
Sim Deus era negro”. Negro com a cara do gari que diariamente varria a rua onde ele passava desprezando o tal sujeito.
Mas como pode ser? Deus negro com a cara de lixeiro? Não pode ser! Há algo errado Porco Dio.
Esta foi sua última visão: Morreu na sarjeta amparado por um Deus Negro. Amém, que sua triste alma seja levada para o céu, porque lá embaixo, acho que não vão querer.
quarta-feira, 17 de julho de 2019
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