terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Um queque e uma laranjinha

 Um queque e uma laranjinha

 

Lendo post da Inês sobre o bolinho inglês ou queque, como o pessoal de Pelotas conhece esta iguaria, lembrei de outro causo que vou lhes contar. Quando fui trabalhar na RBS TV e Rádio Atlântida FM comecei como redator e locutor de chamadas e comerciais. Tinha proximidade com o pessoal de edição, suíte máster enfim toda esta turma que colocar a TV no ar. Fiquei lá alguns anos e fui crescendo até chegar a chefe de jornalismo da emissora.

 

O personagem em questão tinha pinta de artista. Havia trabalhado em agências de propaganda e no século passado não havia computador e os ditos geradores de caracteres. Para aparecer o nome dos entrevistados, créditos de cinegrafista e repórter era tudo feito em letraset, colagem de letrinhas em um papel branco, depois filmado e inserido na matéria que iria ao ar, geralmente ao vivo. Quem sabe faz ao vivo já dizia Faustão.

 

Mas nosso artista era metido a Don Juan. Vinha trabalhar todo enfeitado, perfumado, sapato lustrado e arrumadinho. O cabelo era de dar inveja. Ninguém podia tocar naquele cabelo e em sua barba, que ele julgava ser extremamente charmoso e atraente para certo tipo de moças. Casado, porém namorador volta e meia se aventurava em encontros. As vezes fugia para os bailinhos do clube dos coroas onde satisfazia desejos de dança de senhoras de mais idade.

 

A emissora ficava na rua 15 no centro de Pelotas, antes da sede nova no Areal. E ali tem muitos cafés e confeitarias como Aquário que é tradicional e onde todos vão. Pior lugar para se esconder. Após 30 anos de formado fizemos um encontro há dois anos e fui no Aquário beber um cafezinho. Jamais imaginei que alguém me reconheceria. Quando ouvi: Benhur o que anda fazendo. Não era possível... três décadas a após reconhecido em meio à multidão. Mas voltemos ao nosso Júlio Iglesias do banhado. Claro, quando chove fica todo mundo que nem marreco com água pelas canelas.

Acertado o encontro com a moça. Optou por leva-la em uma lanchonete um pouco mais afastada e não conhecida. Todo cheio de más intenções, educadíssimo. Puxa cadeira, beijinhos, fala carinhosamente até fazer o pedido. Uma mocinha garçonete trouxe o cardápio para que cada um escolhesse um bom doce, chá, ou café afinal é a capital mundial do bom doce.

 

Nosso artista se mexe na cadeira, olha para os lados e ordena para a garçonete: “Não carece muito minha querida. Almoçamos faz pouco tempo. Traz um Queque e uma laranjinha. Corta ao meio e pode ser dois copinhos”. Anotado o pedido, a garçonete vai buscá-lo estranhando um pouco e nosso conquistador de rodoviária. Incomodado com a situação visivelmente constrangedora tenta achar uma conversa. Afinal não poderia confessar que a empresa paga pouco que tem que sustentar família e o custo de um bolinho inglês e uma laranjinha já havia estourado o salário do mês. Dia seguinte teria de fazer empréstimo com algum colega.

 

A moça era uma morena bonita, porém firme e braba como as mulheres de Jaguarão. Acho que era meio uruguaia. Era faca na bota. Ela fechou o semblante levantou-se da cadeira, olhou com olhar de adaga para o pretendente, abriu a bolsa tirou uma nota de cinco cruzeiros. Deixou sobre a mesa e despediu-se

- Dê de gorjeta para a mocinha que nos atendeu. Certamente lhe fará falta, Deu de ombros, puxou uma bela echarpe de seda, envolveu em seu pescoço e saiu a passos largos e elegante porta afora da lanchonete. Ele ainda suspira com o perfume que o vento sulino trouxe para dentro do estabelecimento e aquela imagem da echarpe esvoaçante, igual uma cena dos melhores filmes de Sophia Loren.

             Ela sumiu na bruma típica do inverno pelotense. E ele cortou o queque em dois pedaços, começou a metade e deixou no prato que seria dela. Bebeu meia laranjinha. Acendeu um cigarro e rememorou os poucos momentos com aquela formosa dama. Olhou para a mesa achou desperdício deixar a parte dela ali como um significado. Comeu, bebeu e antes de sair pegou a nota de cinco cruzeiros que ela havia deixado para a garçonete. “Não vou ter que pedir mais dinheiro emprestado aos colegas”, pensou. Levantou, fechou o casaco, já desgastado que havia comprado há 20 anos na Pompéia. Seguiu seu rumo quem sabe para uma nova conquista.

 

 

 

 


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