A maconha e o cogumelo
Tenho o hábito de ler os jornais digitais de manhã, nos finais de semana com uma cuia de mate em uma mão e o mouse na outra. E lendo uma notícia de apreensão de 200 mudas de maconha em estufas em duas casas no Rio Vermelho e Vargem Pequena, em Florianópolis, lembrei de um caso ocorrido nos anos 70 lá em Erechim.
A tal de cannabis ainda é crime no Brasil. Não é mais no Uruguai, nem nos Estados Unidos e nem em muitos países, onde há lojas especializadas que geram emprego e milhões de tributos ao Estado. É uma erva, que estudos comprovam tem efeitos benéficos neurológicos, cura do câncer, glaucoma e calmante. Também dá para fazer tecidos para roupas e um brim forte para jeans e calçados. Se tornou “droga” porque a Igreja Católica assim o quis. Mas deixemos desta explicamos e voltamos ao meu vizinho.
Tinha uma piazada na rua todos na faixa de 10 a 14 anos e sem um tostão no bolso. Vivíamos do pai e da mãe que às vezes dava uns trocados para o cinema, ou comprar sorvete seco, maria-mole, paçoca, mu-mu, mirabel, laranjinha Balvedi nos botecos do Preá, do Canova e do Benjamin, ali na volta da quadra. Só que em outra quadra morava um cara com uns 17 ou 18 anos e que andava bacana, roupa legal, dinheiro no bolso. Vivia com os avós aposentados e não tínhamos noção de como vivia com dinheiro, roupas boas e sapato lustrado.
Numa manhã ouvindo a Rádio Erechim o Jovino Martins noticiava a prisão de “um bando de transviados maconheiros”, que foram pegos num acampamento num local chamado Estar Chile, um loteamento perto do morro da TV e com bela vista para o Vale do Dourado. Era uma noite de lua cheia, cujo brilho refletia no vale e causava uma visão noturna bonita, adornada pelas tochas de bambu com querosene para enfrentar a noite de temperatura baixa. Todos presos, fichados e meu vizinho estava lá. Deu falatório na vizinhança e na cidade. Imagina que Erechim naquela época tinha uns 40 mil habitantes e todos se conheciam.
Daí soubemos de onde vinha a grana do bacana.
Isso bem antes da maconha da lata. Fato mais recente, quando no verão de 87/88 apareceram boiando latas cheias de maconha no litoral brasileiro. É que os tripulantes do navio Solana Star, que vinha da Austrália, estava no litoral do Rio de Janeiro carregando 22 toneladas de maconha. Informados que a Polícia Federal iria prendê-los jogaram tudo no mar. Não deu flagrante. Os entendidos atestam que era produto de alta qualidade. Mas voltamos a Erechim e ao meu vizinho.
O falatório era de que o produto era muito bom, que teria vindo do Paraguai ou Pernambuco. Mas passados alguns anos, meu vizinho foi para a Universidade de Passo Fundo cursar Medicina. E nas férias de final de ano ficava em Erechim e às vezes nos encontrávamos na avenida Maurício Cardoso, uma avenida bonita com duas pistas e canteiros arborizados, jardins bem cuidados e bancos para as pessoas sentarem, conversar, apreciar o movimento, tomar chimarrão.
Proseando com o vivente perguntei de onde vinha a maconha de alta qualidade que ele vendia para os espertos e que deu apreensão e prisão.
Ele me contou os detalhes. Não era só a maconha, mas também cogumelos que davam uma visão transcendental e bela do Vale do Dourado. Algo mais lindo que a aurora boreal do polo norte. Tinha gente que via até ETs, naves extra-terrestres e alguns juravam de pés juntos que tinham sido abduzidos, namorado ETs e voltaram para recriar um novo mundo. Tá bom… Loqueou.
Após anos ele desfez o mistério da produção e qualidade da erva e do cogumelo.
Me relatou que, com tempo de sobra, recolhia material que havia em abundância pelas ruas e também ia lá em casa e pegar um dos ingredientes.
Apurava a receita no fogão a lenha, fogo baixo para não queimar e assim trabalhava algumas horas para na produção e posterior lucro, principalmente nas noites de sábado. Também tinha alguns clientes da elite que apreciavam a planta medicinal. E assim ele administrava a sua carteira de clientes com boa rentabilidade.
Tinha o mercado na mão, ou seja a oportunidade, a cadeia produtiva desde os insumos até a boa clientela.
Me detalhou os segredos do negócio: para fazer a maconha recolhia “bosta” de cavalo, secava e misturava com folhas de malva, que às vezes pegava no nosso pátio que tinha bastante. Tudo bem sequinho na chapa do fogão à lenha, triturava bem, misturava tudo e prensava. Deixava secar e estava pronto o produto. E o poderoso cogumelo, este era mais complicado e longe para obter, tinha de andar um pouco mais afastado onde havia vacas leiteiras. Só era bom o cogumelo que crescia na “ bosta de vaca”. Este sim tinha poder. Alertou que nunca se poderia inverter a receita, ou seja, fazer maconha com bosta de vaca e cogumelo com a bosta de cavalo. Aí os efeitos seriam danosos e perderia a respeitabilidade do produto e do mercado. Nunca tentou mudar a fórmula para evitar riscos no empreendimento.
Sabedor das fórmulas do lucro fácil até fiquei tentado a ser empreendedor, mas achei melhor esquecer este tipo de investimento.
Mas como hoje é sábado, meio frio e com lua bonita, vou esperar a noite chegar. Se ouvir algum uivo de lobo, olhos amarelos me olhando através dos galhos balançando pelo vento, chirriar da coruja me observando de cima do galho da goiabeira, morcegos em vôos rasantes vestidos de Batman e uma nave pousando no terreno ao lado, só pode alguém ter misturado cocô de cachorro na minha erva-mate.
Vejam só que colorido lindo esta lua. Ela se move e metamorfoseia.
Bom final de semana e largue mão de ser bobo.
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