quarta-feira, 18 de maio de 2022

O PIÁ DA CARROÇA DE ADUBO ORGÂNICO






O PIÁ DA CARROÇA DE ADUBO ORGÂNICO





O seu Oliveira, como era conhecido na região do bairro João Costa, zona sul de Joinville, para os lados de baixo do cemitério da rua Kesser Zattar em direção ao Parque Guarani e Paranaguamirim, sempre cuidou da família e se esforçava muito. Para aumentar a renda da família montou uma atividade de produção de adubo orgânico caseiro, que vendia por alguns trocados. As pessoas usavam nas hortas de verduras, moranguinhos e também nos canteiros de flores na frente das casas e também adubavam as plantas nos vasos.




Oliveira tinha dois filhos, uns piazotes metidos a conquistador e sem nenhum puto tostão nos bolsos dos calções. O mais velho Saul era falante, conversador e conquistador, tinha sorte com as garotas e sempre era visto com uma menina bonita, de boa família, moças vistosas. O mais novo Raul seguia o irmão, que era seu ídolo. A natureza não o ajudou muito, mas se achava o tal. Queria ter namoradas como o irmão. E a trinca era formada pelo primo Renato, que era malandro, não gostava de pegar no pesado, mas era o mais forte e aguentava as broncas quando se metiam em confusão, como briga depois da escola, alguma desavença na saída da Metrô, geralmente por ciúmes ou disputas por garotas. Não perdiam tempo com discussão quando o Tamandaré perdia o jogo.




O mais jovem Raul estava apaixonado por uma colega da Escola Municipal João Costa onde todos estudavam, ali na frente da antiga Metrô, na rua Monsenhor Gercino. Mas era uma paixão daquelas de se esconder de vergonha quando via a garota. Às vezes arrumava uma bicicleta emprestada e passava dezenas de vezes na rua em frente a casa da família da menina só para ver se a via. Por duas ocasiões caiu da bicicleta perto da casa e levantou rapidinho para que ninguém visse o mico.




Após uma tarde de “coleta” pelas ruas do bairro, a carroça estava cheia. O tal adubo orgânico era fezes de animais. Havia muitas vacas e cavalos nas pastagens do João Costa, onde hoje está tudo habitado pelos loteamentos que surgiram. Estes detritos eram compostados e serviam de adubos. Era comum a vizinhança comprar carroçadas para espalhar nas plantações.




Numa quinta-feira lá pelas sete horas da noite de um verão, há quase 40 anos, seu Oliveira chama os piás e ordena. A carroça está cheia, levem a carga lá no compadre Ranulfo.




O primo Renato, malandro, foi o primeiro a fugir.

Tio a mãe tá me chamando. E sumiu na braquiária.


Pai, tenho que terminar um trabalho difícil para a escola - disse Saul, o filho mais velho, sabedor do que se tratava. Só o pai acreditou porque o estudo não era o forte dele e sim correr atrás de rabos de saia.




Sobrou a empreitada para o mais novo, que ficou com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança.

Pai, não pode ser amanhã?


Tome tenência guri! Vai agora que o compadre quer espalhar o adubo hoje.

Furioso, lá foi o menor puxando o cavalo, mascando freio. A casa de Ranulfo era próxima a cerca de um quilômetro de onde moravam para os lados de onde hoje é o Parque Guarani. Chegando lá, tapado de vergonha ficou imaginando o que falar. Bateu palmas na frente da casa e ficou rezando para que o seu Ranulfo fosse atender.




Clap! clap! clap! - bateu as palmas e nada. Chamou pelo : Seu Ranuulfoooo!.




Em seguida aparece alguém na porta e Raul fica branco, respiração pára, em seguida recobra a consciência e fica rubro de vergonha.




Ou Raulzinho, tudo bem? O que você quer? - perguntou Betina com a voz mais suave do mundo. Aquele momento se eternizou e ao mesmo tempo que seu coração amoleceu com aquela gentileza, também criou um pavor dentro dele ao ter que prosseguir a conversa.




O te-te-teu pa-pa-pai? disse gaguejando.


O pai tá lá na horta, respondeu Betina.


O meu pai mandou uma encomenda para entregar, explicou o garoto.


Ah! Sei, espera um pouquinho, disse ela e dali mesmo gritou:


Paieeeeeeee. O piá da bosta chegou com a carroça.




Aquilo, na imaginação dele, parece que o universo todo ouviu e causava eco em cada vale do mundo. Neste momento ele orou para morrer ali mesmo. Todo encanto, ternura e esperança que havia se quebrou. Nunca mais ela o veria diferente. Na manhã seguinte na escola seria uma tragédia, pensou até em fugir e não acordar mais. Sua cabeça estava um turbilhão. E o irmão mais velho e o primo ladino sabiam disso. Certamente armaram para ele.




De uma hora para outra passou de um possível pretendente a namoro para ser o “piá da bosta” com a carroça cheia de merda de vaca e cavalo para espalhar na horta.




Descarregada a carroça partiu para casa. Emburrado não falou com ninguém. Nem desatrelou o cavalo da carroça. Pior é que tinha de dormir no quarto do irmão. Ficaram sem se falar uns dias. Passaram os anos e ele nem se lembrava do episódio.




Mas na semana passada, após quase décadas, Raulzinho vai em uma fina loja de roupas masculinas, sobe dois degraus e dá meia volta. Faz de conta que lembrou algo, pega o celular, mas o dono da loja seu amigo o chama para mostrar novos produtos. Ocorreu que lá no meio da loja ele viu uma balconista que ele reconheceu. Sabe quem era? Pois é….




Há quanto tempo Raulzinho.. Não te via desde aquele o tempo que você era o “piá da bosta”.




Bem que ele tentou esquecer o episódio de Betina, nos últimos 40 anos. Mas ainda recorda da suavidade daquela voz e do olhar e do sorriso encantadores que ela tinha. Ela ainda o via como o menino de 10 anos que dirigia a carroça do pai, cheinha de …….”adubo orgânico”.

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