segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Afrodisíaca

As três amigas estavam animadas. Sorridentes num início de tarde de sol. Escolheram a mesa que dá vista para o mar. Mas pouco apreciaram a beleza do mar, do sol, dos barcos, do horizonte. Estavam mais interessadas em seus celulares. Sim, isso mesmo. Esta doença ataca até idosos.




O garçom se aproximou e antes mesmo de ler o cardápio já pediram a santíssima trindade etílica.




Uma caipirinha de moranguinho - pediu a primeira mais animada.


Eu quero uma cerveja - solicitou a segunda amiga e a terceira em tom elegante pediu espumante, mas deveria ser servido no baldinho e em uma taça de cristal.




A conversa recheada de risadas ia aumentando o volume na medida que os copos iam esvaziando.




Moço, tira uma foto nossa? Uma delas pediu ao garçom que na hora caprichou em várias poses e ainda falou do contra-sol que poderia não ficar bem. Feitas as fotos uma com biquinho, outra como cleópatra e a do espumante com olhar fatal para a câmera do celular.




Rapidamente se reuniram uma atrás da outra para ver as fotos.




Ficou bom!


Mas queria tirar esse papinho..


KKKK não tem photoshop. No teu caso só com plástica, kkk


Vou mandar para meu filho. ele que trabalhe para a mãe poder aproveitar a vida, rsrsr




Assim prosseguiu a conversa do grupo que está preocupado em viver o que resta. Não perderam tempo discutindo candidaturas, copas ou qualquer outro assunto chato.




Logo em seguida o garçom trouxe o pedido. Algo lindo de tirar fotos e de dar água na boca.




As famosas ostras gratinadas estavam na mesa pronta para serem degustadas.




Me disseram que ostra é afrodisíaca, rsrs - comentou a primeira


De que vai nos adiantar? retrucou a segunda


Para mim pouco adianta, o Oswaldo fica deitado o dia todo no sofá de calção, cochilando e babando. Justifica a terceira amiga




Riram muito das situações de cada uma e devoraram as ostras gratinadas na tarde de sol. Aproveitaram a companhia de cada uma, tornando a vida melhor.




Assim é a vida e o Oswaldo continuava deitado no sofá quando ela chegou com energia da ostra gratinada e efeitos do espumante gelado degustado em taça de cristal.




La vie est belle!

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

A falecida na cozinha

 A falecida na cozinha



Há alguns anos, morreu uma senhora muito querida, da vizinhança. Amizade familiar que ultrapassou meio século. Naquele tempo em que os portões não tinham tramela e se dormia com as portas sem chavear.


Ela já estava em idade avançada e numa tarde de verão quente não aguentou o calor, idade avançada, pulmões fraquinhos e pressão alta. Sempre teve saúde de ferro. Viveu muito porque também não dispensava um copo de vinho tinto todos os dias, desde que o pastor não soubesse e gostava de banana amassada com aveia no lanche da tarde. Tinha disposição de ir para o centro a pé enfrentando ladeiras, tinha de pegar a aposentadoria e pensão, pagar os carnês das lojas, água e luz. O que sobrava guardava em casa, pois não deixaria o dinheirinho no banco.


A notícia de sua morte não foi surpresa. Já passava dos 90 anos.


Vizinhança tratou de avisar filhos e netos e prepararam o velório em casa mesmo,  evitando gastos.  Durante a noite, mais para a madrugada apenas dois vizinhos estavam na sala com a morta. Os parentes tinham ido para outro lugar discutir o que fariam com a casa e quanto daria pra cada um. Afinal ninguém queria viver ali. 


E lá pelas 3 horas da madrugada de lua cheia o meu sobrinho Fábio e outro vivente ali da vizinhança sentaram na escadinha em frente a casa para papear, esperar o sol clarear e ver se os parentes voltam e a chegada de mais vizinhos. Lá pelas 10 viria o padre encomendar o corpo, o carro fúnebre e o ônibus para levar os amigos e vizinhos até o cemitério para enterro.


Os dois ouviram um barulho estranho dentro de casa. Levantaram e se afastaram mais para o lado da rua, onde tinha outra escadinha que dava acesso ao passeio público. Fizeram silêncio, e novamente barulhos estranhos vindo de dentro da casa onde na idéia deles só havia a falecida no meio da sala entre 4 velas.


Mais um silêncio e novamente barulho de panelas. 


  • Será que a vó ressuscitou? Já ouvi falar de coisas assim. Disse Fábio ao outro vizinho que estava em vigília. Estava mais branco que pano alvejado em quarador.


  • Pois olha Fábio. Eu vou embora. Com assombração eu não mexo. Já me caguei todo uma vez lá no Pai Nelito. Tchau! - despediu-se o vizinho deixando Fábio solito na madrugada com o mistério do barulho que vinha de dentro da casa.

Mais um pouco de silêncio e veio forte um chiado de fritura e cheiro de ovo na frigideira. 


  • Mas não pode ser. Aí tem dente de coelho ou é coisa mandada. Pensou. Precavido, deu a volta na casa e espiou pelos fundos. Subiu uns degraus da escadinha em cima do poço e olhou para a cozinha que ficava nos fundos da casa. O que viu foi assustador.


  • Sai daí seu gambá. desliga o fogo e te  aquieta, ordenou meu sobrinho ao acontecido.


O mistério se desfez. O vizinho cachaceiro, criado na vizinhança, vivia com o beiço inchado de cana. Entrou pelos fundos curtido de cachaça, com fome, viu que não tinha ninguém, nem foi na sala onde estava a falecida. Ligou o fogão, derrubou algumas panelas e esquentou a frigideira. Atirou meia dúzia de ovos no óleo, fez uma lambança, sujeira e se fartou. Agora restabelecido, desceu e foi embora dormir, na casa ao lado.


Restou ao meu sobrinho esperar o amanhecer para não deixar a falecida sozinha. Vai que o cozinheiro volte…