sexta-feira, 23 de junho de 2023

Nunca fui tão amado assim



Foram anos de amizade, companhia, carinho e amor. Quase 17 anos de uma ótima vivência. Meu amigo, meu companheiro diariamente me esperava.


Acordava cedo, latia ou batia na porta para entrar em meu quarto. Ali se instalava e ficava cuidando de mim. De vez em quando olhava para ver se eu estava ali. Eu  tranquilizava dizendo: Estou aqui, estou aqui.


Quando ia cozinhar o sous-chef du cuisine se instalava bem no meio da cozinha, como se estivesse inspecionando.


Nos últimos dias já tinha dificuldade de se levantar, caminhar e ficava o tempo todo deitado. Só pedia ajuda para suas necessidades emergenciais.


Gemendo possivelmente pelas dores, só se acalmava quando ouvia minha voz. Daí acalmava e ficava me olhando, com um olhar carinhoso, esperançoso e de agradecimento.


O  ciclo da vida de Francisco terminou. Foi muito querido e amado e também demonstrou todo seu amor e gratidão.


Nos últimos dias, nas minhas férias,  ficamos longos tempos juntos. Lia ao seu lado com uma mão em seu corpo fazendo carinho para ele se acalmar. Piorou e na clínica, ao me ouvir acalmava, na última visita ao me ver, se agitou de ansiedade por me ver.


Ontem à tarde conversei com ele, recostou a cabeça no travesseiro, beijei-o e ele chorou. Eu sabia e ele também que seria a última vez. Na madrugada ele não resistiu. Ficam as lembranças de um amor incondicional. E um pensamento: acho que nunca fui tão amado assim.



10/01/2007

23/06/2023


quarta-feira, 14 de junho de 2023

Três gringos e o tesouro da Pedra Furada

 


Um grupo de amigos da localidade de Brusque, interior de Orleans no sul do Estado de Santa Catarina foram criados ouvindo lendas do tesouro escondido pelos jesuítas há mais de 300 anos na região e que a Pedra ou Janela Furada, no Morro da Igreja lá no alto de Urubici daria a indicação de onde está a riqueza dos padres.


Se combinaram de “enricar”, Afinal nunca souberam de que alguém já teria achado o tal tesouro. Imaginaram potes de barro ou arcas de madeira de lei cheias de patacas reluzentes com a imagem do Rei de Espanha.


Nascidos e criados juntos na comunidade italiana, um já pensou em comprar terras e vacas. O outro pensou em importar cepas de uvas para produzir um bom vinho e o outro já queria se mandar do lugar, caso ficasse rico. Afinal a parentagem iria querer um ajutório.


No dia acertado, de verão, pois o frio do sul e na altitude não sobreviveriam, saíram a passos largos que aos poucos foi ficando lento pelo cansaço e altitude. Chegaram no Morro da Igreja, com luneta, olharam através da Janela ou Pedra Furada para imaginar se recebiam uma visão, um cálculo matemático vindo do além para achar o tesouro. 


Passou a tarde e escureceu lá pelas cinco horas. Decidiram descer a serra, porque a busca e os cálculos do trio não deram nada de ideia. Enfrentaram o caminho de volta pelo mato, pedras e descida íngreme e o frio chegando, com vento assobiando pelas orelhas e cortando o couro dos caçadores de tesouros.


Em pouco o breu noturno e gelado tomou conta da grande muralha e lá para baixo nada de avistar uma viva alma, nem luz distante.


A cada passo um barulho diferente. Galhos quebrando, pios de coruja, pássaros noturnos. Lá pelas tantas sentiram um bafo quente e um rosnado. Se for o leão baio não sobra nada dos aventureiros.


Apertaram o passo no meio da escuridão e sentiram o terreno plano. E como se fosse algo anunciado abriu um clarão de luz cheia o que permitiu ter noção de onde andavam. 


Mas o clarão da lua também trouxe as sombras e imagens das imaginações. Foi quando ouviram um som lamentoso de um bebê chorando e galhos de árvores voando. É castigo pela profanação, pensaram.


Ninguém segurou a mão de ninguém. Ali era cada um por si. Adeus tesouro. 


Na manhã seguinte, a mulher de um deles questiona o que houve com a calça toda marrom que escorreu pelas pernas.


  • Cai na ribanceira e sujou de barro - respondeu.

  • Isto não é barro e pelo cheiro…. Já deixei de molho no tanque. Levanta daí e vai esfregar, depois deixe de molho e bota no quarador.


Rapidinho o caçador de tesouros foi direto para o tanque e nenhum deles jamais tocou no assunto da aventura. Ainda hoje quando há uma festa alguém quer detalhes ou provocam para saber se alguém abre o bico. Segredo guardado a sete chaves, igual o tesouro jesuíta.


O que eram os gritos  e árvores que voavam: um Urutau de canto triste, lamentoso e assustador. Parece um pedaço de madeira e voa. Que cagaço!



segunda-feira, 12 de junho de 2023

O dia dos namorados e a semente milagrosa




No último domingo estive na comunidade de Barracão, em Orleans, no sul de Santa Catarina, e era dia de festa do padroeiro Santo Antônio, o  santo casamenteiro. Me chamou a atenção, já na véspera uma conversa entre os de mais idade. Comentavam sobre uma invenção revolucionária na medicina, capaz de devolver e triplicar a energia masculina.


Fiquei de orelha em pé, só ouvindo a conversa em meio a canecas bem servidas de  vinho goethe e uma cachacinha produzida no local, envelhecida em barris de várias madeiras, o que torna o sabor muito melhor do que o envelhecimento em tonéis de inox.


Fiquei curioso com a novidade, afinal, véspera de dia dos namorados e estar com boa disposição para uma tábua de queijos, salames e um bom vinho, um licorzinho de animação para depois trocar algumas carícias, sempre é bom saber a receita completa.


No sábado foi esta conversa bem ouvida durante um torneio de futebol de salão e nem consegui pregar os olhos durante a noite. fiquei imaginando que fórmula mágica seria essa. Lá pelas 5 horas acordei, fui caminhar pela estradinha e acompanhei o despertar do galo. Sim acordei antes do galo, já me senti o dono do galinheiro. As jersey já com úberes cheios esperando a ordenha e os large white ansiosos pela ração. A cachorrada incomodada com minha presença, mas continuei matutando sobre a conversa da velharada. Aos poucos o sol surgia criando uma moldura em torno da bela obra da serra dos campos de cima. Alí embaixo dá para ver o alto da Serra do Rio do Rastro. Uma obra de arte no amanhecer e no entardecer, com a luz de outono.


Antes da missa de domingo que antecede a festa com churrasco e bolos cobertos de merengue, já vi uma movimentação estranha. De um a um volteavam o salão paroquial e vinham sorridentes. Segui a turma para ver do que se tratava.


Encontrei a fonte da juventude e do vigor! Um senhor aparentando uns 70 anos recebia uma nota de 20 reais e entregava um saquinho com algum conteúdo. Logo imaginei do que se tratava. Me aproximei, estendi a nota de 20 pilas e o nativo, me olhou, desconfiado.


  • Mas o moço não é daqui! E pelo jeito não precisa. Já sentenciou.

  • Sou convidado. Vim conhecer a região, participar da festa e me interessei pelo achado. Respondi com cuidado. Pois não queria ser retirado da fila e estragar a compra.

  • Desta vez passa, mas tome cuidado porque o resultado é cento por cento.Capice? Garantiu o vendedor que fez a recomendação:

  • Desde saquinho você pode comer, mas tire a casca. E deste pode misturar na comida. Mas recomendo. Só meia colherzinha.

Prestei atenção nas recomendações para o uso. E a fila ia aumentando. Quando eu ia saindo ele ainda fez mais uma recomendação:


  • E não misture com bolachinha doce recheada. Tira o “forcejamento” do homem. Ouvi e entendi. Nada de mistura.


Curioso, já pensei em fazer uso do achado, afinal era véspera do Dia dos Namorados.


Abrindo o primeiro saquinho me deparei com a fórmula secreta, com fama de ser melhor do que o viagra. Sementes de melancia torradas. E o pozinho, nada mais do que a mesma semente de melancia moída com uma mistura de pinhão, vindos de Urubici.


Contam pela região que um gringo rico comprou toda produção de melância, de Jaguaruna, antecipadamente para processar o produto e ter estoque por longo tempo.

Minha compra  entreguei para meu colega, que é da região para ele testar. Ele ainda reforçou o estoque comprando mais meia dúzia de saquinhos. Reza que não precisa, e sua compra é apenas interesse científico. 


Vamos acreditar.