segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O estancieiro e o rabo de tatu

 


Este é o mês da gauchada e 20 de setembro é a data magna culminando com a Semana Farroupilha. E lembrei de um causo que envolve um conhecido de longa data, um amigo que foi criado numa estância do pai . As pastagens sumiam no horizonte e davam de costados lá para os lados de Camaquã. 


O rapazote, andava por lá campereando, mas o velho achou que ele  tinha que ter estudo, ser um doutor e mandou aprontar tudo para ir para a capital e se estabelecer. Deveria voltar com diploma e assumir as terras e um bom rebanho charolês.


Filho único, por isso meio mimado pela mãe, desmamou já tarde e o pai deu ordens para a mãe arrumar as coisas do piá e mandar para um compadre lá na capital, em Porto Alegre. Foi embora com ônibus da Frederes, via Camaquã, Tapes, Cristal, Guaíba e enfim chegava na capital.


Toda semana o velho tinha de mandar dinheiro. E a prosa era a mesma, a carestia da cidade grande. Certo dia o pai do piazote chamou a mãe e recomendou:


-Veja lá com o compadre para  dar uma bombeada no piá. Já comeu duas arrobas este mês e disse que tem que pagar o “Julinho”. Sempre a mesma coisa. Não vou aturar no meu teto um piá que sustenta outro homem. Veja quem é este tal de “Julinho”. Se ele não estiver tendo um comportamento condizente é porque puxou por você.


Uma semana depois, a patroa elucidou a questão: O “Julinho” em questão que estava comendo muito dinheiro era o Colégio Estadual  Júlio de Castilhos, excelência em educação, na época. Mas era um educandário público, portanto gratuito. Deixaram assim meio quieto o assunto até que o vivente foi para faculdade. E escolheu a mais cara a PUC.


Quando veio com a novidade de que desistiu da veterinária, pois não queria saber de charolês nem de vaca leiteira, muito menos de pastagem, o velho só pegou o relho rabo de tatu e ficou batendo na mão. O piazote encheu uma mochila com roupas e se mandou para a prainha de Tapes, onde a turma da PUC iria fazer um acampamento, regado de bebida e outros incensos não legalizados. 


Era uma noite fria com lua cheia que deixava um rastro de luz sobre a Lagoa dos Patos, em setembro, dentro da Semana Farroupilha  e dê-lhe cantoria, fogueira e carne assando. Não faltava vinho de garrafão, cachaça, caipira, porta aberta, rabo de galo e traçado. A festa durou uma semana.


Como o piá não apareceu na estância de volta, o velho mandou o capataz reunir a peonada e camperear pela região para saber do vivente. Passaram telegrama para anunciarem nas rádios até que um deles ouviu o chamamento do desaparecimento do rapaz, lido pelo locutor da rádio de Camaquã. 


  • Deu merda! Um do grupo que ouviu gritou. Não demorou muito para que um fusca e uma caravan da Brigada Militar chegasse no tal acampamento que se sentia o cheiro de maconha a quilômetros.  Todos em pé, mãos nas árvores e seguiram para a delegacia de Camaquã. O nosso personagem, ainda de ressaca a fedendo de maconha foi recambiado para a fazenda pelas mãos do capataz que não disse nada. só colocou ele e as tralhas atrás da camioneta rural e foi sacolejando até ser entregue ao pai estancieiro que o esperava com o rabo de tatu, no portal da casa.


  • Bonito, hein? Passa para dentro e por aqui. De orelha baixa e bem quieto, se esgueirando, passou pelo pai e só ouviu o assovio do rebenque descendo e lanhando o lombo. Nem um grito. Foi berrar mais tarde quando a mãe jogou sal grosso por cima da ferida para fechar a sangueira.


Mas como o bicho era ruim e meio gaudério, curou as feridas, pegou a mochila, mais uns cobres que tinha na Poupança Habitasul, comprou um possante Passat e se mudou para Santa Catarina. Antes passou na casa de uma tia chamada Carmem em Porto Alegre, se despediu das primas e se estabeleceu em terras catarinenses onde fez fama de moço namorador e sempre grato com a parentagem, pois arrumou outra tia com um monte de sobrinhas.


É o tal dito gaudério: todo gaúcho que se preza, tem um cavalo no prado e uma mulher na zona. Este levou à risca o ditado popular. Sempre gostou as portenhas…





sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O vampiro frugívoro




Senti uma sensação de estar sendo observado por um predador perigoso. Continuei lavando louças na área externa da churrasqueira, onde gosto de tomar café, chimarrão apreciando as árvores, passarinhos e fazendo companhia para a última cachorrinha, ainda viva, a Isis, que está no fim de seu ciclo.


Noto manchas vermelhas no piso cerâmico, que parecem sangue. Poderia ser da cachorrinha que está com feridas devido às escaras por ficar deitada o tempo todo, a velhice tirou a mobilidade dela.


Verifico, mas isto seria impossível já que ela nem levanta da caminha. Ouço o barulho de pingos no chão que espalham um líquido vermelho . Vagarosamente olho para o alto e lá está ele, um enorme vampiro, capaz de fazer inveja ao Drácula. Um morcegão. 


Olhou fixamente para mim com seus olhos vermelhos e deu mais uma mordida na goiaba e seu interior vermelho. Não gostou da minha presença. Como se fosse vingança soltou a goiaba em minha direção que se estrebuchou no chão. Já o sol viria, tratou de bater as asas e sumiu na escuridão da madrugada.


Eu nem iria querer a goiaba mesmo. Restou limpar a sujeira do vampiro. Deve ser efeito da bela lua noturna.