sábado, 29 de março de 2025

LIVROS E MEIAS

  Organizando meus livros encontro preciosidades. Uma Bíblia presenteada para minha mãe em 1969, portanto há 56 anos e que está comigo como herança e um dicionário que foi presenteado há 42 anos em 1983 pela nossa vizinha Setembrina Telles. Era mais que vizinha, era uma pessoa da grande família do bairro, tempos que a gente ia na casa dos outros, entrava porta adentro pois nunca as portas estavam trancadas.


Dona Setembrina, era  onde eu ia ler gibis. Quando o neto dela, o Inho (Waldemar, que virou Waldemarzinho e Inho), foi servir na Aeronáutica deixou malas de gibis embaixo da cama. Tinha Recruta Zero, Bolota, Bolinha, Brasinha, Pato Donald, Fantasma, Pimentinha, Cavaleiro Negro, Jerônimo, Flintstones, Tarzan e tantos outros. Era comum às tardes eu ir na casa dela, próximo da nossa, entrar sem cerimônia, ir direto no quarto puxar a mala abrir e ler os gibis. Uma tarde, a dona Setembrina saiu para ir ao centro pagar contas e comprar o que precisava e na volta notou algo estranho. Pressentiu alguém dentro de casa. Era eu, sentadinho lendo gibis. Ali fiquei a tarde toda sem que ela tivesse percebido minha presença ao sair no início da tarde.


Em todas as datas como Natal, Páscoa, aniversário ela sempre me presenteava com meias ou cuecas. E eu sempre agradecia e respondia: - Eu estava precisando! E ela sempre ria  de meu agradecimento. E era um presente útil. Mas instigava o estudo e a leitura. Dava livros e às vezes levava a piazada da rua para um culto na Igreja Adventista do Sétimo Dia, que ficava no centro de Erechim, independente de qual religião cada um seguia. Naquela rua não se criou nenhum malfeitor quando adultos. Tiveram bons exemplos. 


Livros, meias, orientações e carinho. Assim era a infância saudável. As dedicatórias demonstram a afeição de Setembrina pelas pessoas e pelo caminho correto, do estudo, da fé, da honestidade, do caráter e do respeito aos outros. 


Os livros ainda os tenho e guardo com carinho por todos estes anos. As meias? Usei até desmancharem. E o final de semana é indicado para ficar sem meias e ler um pouco da Bíblia que é o livro dos livros pelos séculos. Sempre se aprende algo a cada folhear de páginas.


sábado, 15 de março de 2025

A CARTA

Mais uma grata surpresa se revela saindo de trás das cortinas de um livro antigo. Uma carta escrita há 36 anos, do tempo em que se escrevia a mão, se colocava em um envelope e íamos nas agências dos Correios para selar e enviar. E se esperava uma resposta.


Esta carta recebi de minha mãe, onde ela conta a rotina diária, o que fazia e o aperto no coração de não ter minha convivência. Mesmo crescendo não deixamos de ser crianças. Mesmo eu já estar encaminhado na vida, formado e com três bons empregos e portanto renda para me manter, ela avisa que vai me mandar “uns pilas para eu comprar uma paleta de ovelha”, sabedora que era de meus gostos culinários.


Conta como estão os amigos próximos e os irmãos. E esta era uma rotina semanal que tínhamos. Todas as manhãs ela preparava um mate e sentava na área em frente da casa esperando o carteiro, que era nosso vizinho e corredor. De vez em quando ele parava, tomava uma cuia e seguia. Na semana em que eu não enviava uma carta certamente seus dias não eram felizes. Mas às vezes eu telefonava para a casa da vizinha e iam chamá-la, mas nada substitui uma carta, que podemos guardar, recordar, reler e revivermos tempos quando éramos felizes com muito menos.


Esta sobreviveu ao tempo, às mudanças graças a um livro. Guardarei, como sempre, com muito carinho.


Quanto a ovelha, é bom demais e neste final de semana está acontecendo a Festa da Ovelha em Campo Alegre. Dá vontade de subir a serra e me deliciar com uma paleta. Claro que é uma inteira só para eu degustar.



domingo, 2 de março de 2025

O CARNAVAL SEM MÚSICA DE CARNAVAL

Um músico conhecido meu de muitos anos, dos tempos em que eu tocava trompete em conjuntos musicais só em carnavais, para ganhar um dinheiro extra, estava desabafando que infelizmente não se fazem mais carnavais como conhecíamos . Eram pelo menos quatro bailes no contrato nas noites de quinta a sábado e o matinezão para a criançada nos domingos de tarde.


Me relatou que um presidente de um clube chic contratou a banda para um grande baile do clube mais  tradicional da  cidade. Lá por novembro ele acertou com  os músicos que faltavam, ensaiaram todas as marchinhas, sambas e algumas novidades. Mandou fazer uniforme para todos e tinha até um grupo de dançarinas e dançarinos.


Na tarde que a banda estava instalando os equipamentos de som e instrumentos e iam “passar o som” o presidente do clube chegou com cara de poucos amigos.


  • Quero deixar claro que no meu clube só aceito música decente. Que respeite os nossos valores. Sentenciou o presidente um baixinho gordo, que parecia um liquinho ambulante. Nossa casa é de respeito.

  • Concordo, seu presidente, disse meu amigo, acenando com a cabeça.

  • Quero ver a lista de músicas antes de vocês tocarem, intimou o gorducho mais metido que toucinho em feijoada.

  • Mas meu senhor, são as tradicionais músicas de carnaval tocadas há quase 100 anos, argumentou o músico.

  • Não me interessa. Aqui não vão tocar porcaria para estragar os jovens e deixar as senhoras sem graça, vociferou o contratante e cada vez que se alterava puxava o suspensório já que a calça caia e a pança vinha à mostra.


Meu amigo puxou a pastinha e mostrou a lista.


     - O que? O senhor acha que isto aqui é casa de raparigas? Gritou o presidente e continuou.

  • A Cabeleira do Zezé? quer me arrumar processo? É dos carecas que elas gostam mais? O que está pensando com esta nojeira de duplo sentido? A Pipa do Vovô? Mas que degradação é essa? Maria Sapatão? Quer que o clube feche seu irresponsável? Andorinha? Acha que nossas mulheres precisam se soltar com outros para serem felizes?, safado. Também gente de noite, músicos tudo igual…Nega Maluca? Mais um processo? Maria Escandalosa? Só se for da sua família. Cachaça não é água? Claro que não seu beberrão, gambá; O Teu Cabelo Não Nega? Credo, o senhor deveria estar preso por tocar esses lixos. E assim seguiu o presidente do clube analisando, comentando e cortando músicas.


Incomodado com tal situação, meu amigo o músico jogou forte e tentou ganhar no pano verde, achando que tinha cartas:


  • Pois então, senhor arrume outro conjunto que não vamos aceitar esta interferência e o clube vai honrar o contrato. Estamos aqui e o senhor é que nos impede. 


O baixinho, gordo, de suspensório nada falou, arrancou os fios das caixas de som e gritou


  • Te arranca daqui pervertido. Só falta querer tocar na Boquinha da Garrafa.

  • Claro que sim é na outra folha seu tatu do rabo mole, devolveu o músico.


Se o baile ocorreu? Sim, foi um desastre. O presidente arrumou um toca-discos com as seleções dele mesmo e um sobrinho ia colocando as páginas musicais. Ninguém ficou porque os músicos lá pelas 11 da noite se instalaram na rua e começaram a tocar de graça para o pessoal que abandonou o clube onde o gorducho era presidente. Ficou ele emburrado, bufando olhando os sócios se divertirem.


O ponto alto foi quando tocaram “Fuscão Preto” em ritmo de marchinha.


Vamos aproveitar o feriado e deixar os chatos bem longe.