Domingos em Marcelino Ramos
Quando eu era criança, uma das atrações que a gente esperava toda a semana era o domingo para passar o dia em Marcelino Ramos. Uma distância de 55 quilômetros que demorava horas de ônibus em estrada de chão batido. Hoje com o asfalto se faz em uma hora.
Era uma alegria. Famílias inteiras, já conhecidas, que sempre iam na excursão. Cedinho no domingo o ponto de encontro era na garagem da Zardo, na rua lateral do Hospital de Caridade.
O motorista era o dono da empresa o Beloni, que aproveitava o dia para levar a família também. E sempre esperava os passageiros com uma cuia de chimarrão, erva verdinha nova, plantada e colhida e moída em um barbaquá em Áurea e água quente. Receptivo. Os passageiros iam chegando, tomando mate, colocando suas sacolas no bagageiro e escolhendo seus assentos.
Lá pelas 8h saia o ônibus, carroceria forte construído na cidade pela Incasel. Seguia pela saída do bairro Florestinha. No perigoso trevo da Transbrasiliana, era parar olhar para os dois lados, engatar a primeira e atravessar ligeiro em direção a Gaurama.
Este era um trecho muito ruim, principalmente quando chovia. Era uma lama só que ficava um sabão. Volta e meia se via caminhão caído na vala, carro atolado. Não era raro ter de acorrentar os pneus. E seguia a viagem rumo a Viadutos e depois Marcelino. A entrada da cidade balneária dava medo para os menos calmos. Descida íngreme, pedras soltas em tempos quentes e barreiro perigoso quando chovia. Tinha de ter “braço” para comandar o ônibus e no final da descida uma curva fechada à direita que dava acesso ao último trecho em direção ao balneário. Enquanto o ônibus descia as “véia” rezavam o terço: Valha-me Deus!
Chegando ao balneário, ônibus estacionado, todos avisados que as 17 horas deveriam voltar.
Dia livre. Cada um escolhe seu lugar embaixo de árvores, montavam seus acampamentos ou escolhiam uma mesa debaixo do grande telheiro, ao lado dos chuveiros à beira do Uruguai.
A “piazada” não ajudava. Corriam logo para comprar o ingresso e se atirar na piscininha; Os chuveiros eram para os adultos e as banheiras para a velharada.
A piscininha de 10m x 4 m e 40 cm de profundidade. Não tinha perigo. Água quentinha. Chuveiros com forte pressão da água sulfurosa que vem de um poço com 544 metros de profundidade. Descobriram essas águas quando prospectavam petróleo em 1959.
Mas a melhor parte do dia era o almoço. A água dava fome. O cardápio nunca mudava era a galinha assada inteira com recheio de farofa, K-suco ou para os mais ricos laranjinha Balvedi.
As galinhas eram assadas nos sábados. Geralmente duas com recheio de farofa bem sortida. O tempero exalava um aroma delicioso e dava vontade de comer quando estava sendo preparada. Recheio feito com os miúdos bem picadinhos, salsa, cebolinha, cebola, alho, pimenta, bacon, milho, azeitona, farinha de rosca. Farofa com substância. A sambiquira era da vó.
Era comum os barqueiros que transportavam areia pelo rio. Também ganhavam uns trocados levando os “turistas” para um passeio no barco a remo. Algo perigoso, mas confiavam nos braços do barqueiro. Atravessavam o rio e o perigoso “canalão” que muitas vidas levou. O canal por onde passa a correnteza era muito forte e alguns mais exibidos atravessam o rio a nado para se aparecer. Muitos foram engolidos pelas águas do Uruguai e seus corpos nunca foram encontrado. Outros mais preparados conseguiam chegar a outra margem, já em Santa Catarina.
E assim se passavam os domingos. Quem podia ia até o Santuário de Nossa Senhora de Salette, romaria de fama regional. Desde 1936 recebe romeiros que agradecem pelos milagres e graças alcançada.
Nas épocas de seca, dava para ir a pé pelas pedras até metade do rio, antes do canalão. Com a construção da barragem de Itá, grande parte desta história de infância sumiu, submersa pelas águas da barragem.
Resta a lembrança do aroma da galinha com farofa, que exalava quando se abria a toalha que ela vinha enrolada e cada uma se servia. Uma mordida no frango, uma colherada de farofa e um gole de laranjinha. Depois sestear na sombra e voltar a piscininha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário