sábado, 28 de agosto de 2021

O sogro conta gotas e a volta de linguiça

 O sogro conta gotas e a volta de linguiça


Rita acordou emburrada, com cara de poucos amigos e foi direto para a cozinha, do pequeno apartamento localizado no centro de Curitiba, perto do Largo da Ordem. Era um desses apartamentos antigos, pequenos que para pensar tinha de sair para outra peça. Estava incomodada, já nas primeiras horas de domingo. Nem preparou um chimarrão , foi direto passar um café preto. Aqueceu a água, colocou já quatro colheres de café no coador de algodão, que foi feito por sua avó, lá no oeste do Paraná. Não tinha dúvida, café forte, porque  furiosa estava bufando pelas ventas. 


Sentou na pequena sacada, onde havia um banquinho com a estampa do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que seu pai lhe deu quando Rita foi estudar na capital paranaense para ser advogada . Estava nos planos um dia voltar para trabalhar na banca do pai, que já estava estabelecido. 


Meses antes havia conhecido um rapaz chamado Roberto, com quem começou um namoro. Ela sempre repetia que nada queria sério com ele, pois tinha uma meta que era se formar, voltar para a cidade do oeste paranaense, advogar com o pai e depois ser juíza ou promotora. Começaram uma relação de amizade colorida, que foi crescendo. Já não se viam mais uma vez por semana, ou encontros pelos bares e noitadas. Queriam se ver todos os dias. E ela sempre repetia, não me leve a sério tenho minhas metas. Isto durou por meses, até este domingo de setembro. Era próximo ao feriadão de 7 de setembro. Curitiba estava, como é característico, com cerração, frio e uma leve garoa que atrapalhava a visão que tinha entre os prédios.


Roberto, meio folgado levantou, perguntou se tinha um mate pronto. Foi a gota d'água para a explosão de fúria de Rita:

- O que está pensando, que sou sua empregada? Vá fazer! Gritou e certamente os vizinhos ouviram

- O que houve, acordei agora, porque está assim?

- Estou cansada disso. Até quando vamos ficar assim? Você vai lá em casa falar com meus pais. Sentenciou a futura advogada e quem sabe um dia juíza.

- Mas você mesmo que não queria nenhum envolvimento mais sério, relembrou

- Eu viajo hoje e se você quiser continuar me vendo, pegue o ônibus no feriadão e vá lá conhecer minha família. Agora pega tuas coisas e vai- te embora.

Roberto recolheu as roupas e saiu do apartamento sem falar nada. Também não bateu a porta.


Passados uns dias passou na rodoviária de Curitiba, foi até o guichê da Princesa dos Campos e perguntou para o atendente quanto custava uma passagem e os horários para Beltrão. 


Dois dias antes do feriado foi para a rodoviária, passagem comprada e seguiu sovando as costelas durante quase 15 horas. Curitiba, Campo Largo, Guarapuava, Pato Branco e finalmente Francisco Beltrão. Já havia avisado de sua ida, final da tarde o verdão estacionou na rodoviária. Roberto se espreguiçou, pegou a bolsa de mão que estava no bagageiro e esperou os da frente descer. Ficou olhando pra ver se o haviam ido buscar. Viu Rita sorridente e apreensiva com a descida do namorado. Ele meio envergonhado desceu as escadinhas do ônibus, como querendo voltar para sua poltrona e retornar, mas não tinha volta. Teria de encarar.


Atravessou o murinho que separa os ônibus do local de embarque e foi encontrar Rita. Se abraçaram e ela o apresentou

- Este é meu pai, queria muito conhecer você.

- Prazer seu Fausto

- Seja bem vindo, vamos lá para casa. Já preparamos um sofá para você. Roberto não gostou muito, afinal dormia com a filha dele tranquilamente em Curitiba, mas ali teria de ficar no sofá?


Seguiram para o estacionamento onde um vistoso Fusca estava estacionado. Rita sentou no banco de trás e Roberto ao lado do sogro. Curioso, reparou no veículo que estava limpo, mas o banco do motorista tinha um tapete de retalhos, possivelmente para não estragar o estofado e nas costas do motorista uma espécie de proteção com bolinhas de madeira. Imaginou que era para a coluna, massagear as costas.  Reparou que o marcador de gasolina estava na reserva e querendo puxar conversa comenta que o tanque está ,meio vazio, que seria bom botar um pouco de gasolina para não ficarem na estrada. Neste instante Rita cutuca Roberto para ficar quieto.

- Não precisa, moramos pertinho , explica o seu Fausto. Mais tarde Rita explica a Roberto que o velho é econômico, e no posto de gasolina é conhecido com o “véio conta-gotas” porque ele nunca encheu o tanque do Fusca. Só coloca o tanto de gasolina para ir a determinado lugar e voltar. Só abastecia pequenos valores para pequenos percursos. Naquele diz botou R$ 5,00 de gasolina para ir até a rodoviária e voltar. Fusca na garagem elevado com tocos de angelin para não pegar umidade e não apodrecer os pneus e um pano para cobrir o carro e não pegar frio, mesmo dentro da garagem que ficava no porão da casa.


Chegaram em casa e foi servido um café reforçado antes de ir descansar. Mesa farta com pão feito em casa, cuca, nata, salame, queijo, geleias, schimia, frutas. Roberto se atracou, com vontade de leão. Depois foram dormir, Na manhã seguinte o chimarrão estava pronto, tomaram umas cuias e foram visitar a parentagem que morava ali no bairro mesmo. Terra vermelha, achou diferente. Havia levado roupas claras, camisa branca, uma calça de linho também branca. Não durou muito para ficar da cor da terra paranaense.


Avisou Rita que no almoço não gostaria de cantoria de velho italiano com a cara cheia de vinho. Ela recomendou à mãe, Dona Otília que falasse com o pai que nada de cantoria.

Na hora do almoço um festival gastronômico, espaguete feito em casa, leitão assado, queijos, pães, ,molhos de dar água na boca. E de sobremesa ambrosia e arroz doce. Não poderia ser nada melhor. Seu Fausto veio com um garrafão daqueles com revestimento de proteção envolto em vime. Abriu a rolha, encheu os copos de cada um, fez um brinde ao genro e já anunciou que no dia do casamento a festa vai ser por conta dele. Roberto ficou quieto e num gole só esvaziou o copo. Pediu mais. O véio serviu. Após o almoço e antes da sobremesa seu Fasuto não se conteve, contrariando as recomendações;

 - La verginella non posso trovar la

La verginella non posso trovar la

Solo mi basta che la siai bella

E ciomba la ri la re la

E viva l'amor.


O futuro noivo já com os cornos cheio de vinho barato nem deu ouvidos ao canto do sogro e se levantou. Não gostava deste tipo de música. Foi se deitar para contrariedade de seu Fausto. Deitou no sofá, como havia preparado e enquanto o sono não vinha ficou ouvindo as conversas e a cantoria desafinada.


- Este moleque, vem na minha casa, come duas voltas de linguiça de pernil, uma peça de queijo, um pão inteiro e ainda não quer me ouvir cantar. Tomara que pegue o rumo dele ainda hoje. Comentou seu Fausto para Dona Otília

- Cala boa véio, ele vai se casar com a Ritinha, vai entrar para a família.

- Duvido. Este “piazon” vai sumir, previu o sogro


Lá pelas cinco da tarde Roberto levanta, só viu a mancha de baba que deixou na almofada do sofá da sala. Meio cambaleando foi ao banheiro lavou o rosto pegou sua sacola e foi para a varanda na frente da casa onde estava o casal.


- Obrigado pela hospitalidade mas tenho de ir. Vou pegar o ônibus às seis da tarde porque tenho trabalho amanhã. Muito obrigado por tudo


Se despediu e nem quis carona no fusca até a rodoviária. Ritinha também não o acompanhou. Viajou a noite toda de Princesa dos Campos. No dia 8 de setembro da rodoviária de Curitiba, foi direto ao banco onde trabalhava. Na mesma noite deixou um bilhete no apartamento de Ritinha:


- Adorei sua família e você, mas não podemos continuar num namoro a distância, Fui transferido para outra cidade. Antes disso havia pedido demissão do banco, pegou suas coisas no apartamento que morava e comprou passagem para Joinville. Não havia celular, e telefone era coisa de rico. Ficou uns dias numa ilha lá pelos lados de São Francisco do Sul para pensar do que se livrou.


Meses depois Ritinha falou para os pais e ouviu do seu Fausto

- Ainda bem que aquele imprestável se foi.   Perdi  cinco reais de gasolina, duas voltas  de linguiça de pernil, um salame e uma peça de queijo. Se ele ficasse, teria que vender a casa só para dar comida para aquele comer e dorme.


E Ritinha? Virou juiza e hoje está em um município paranaense quase na divisa com São Paulo. Roberto? bem foi visto jogando dominó e bebendo Rabo de Galo num boteco no Ervino.








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