sábado, 16 de abril de 2022

A MOÇA DE SÃO GABRIEL E O PRETENDENTE

 A MOÇA DE SÃO GABRIEL E O PRETENDENTE



Lá por volta dos anos 30, quase nenhuma liberdade as moças tinham. Recebiam ensinamentos de afazeres domésticos, fazer boa comida, pregar, cerzir,engomar, bordar e se preparam o enxoval para um casamento com alguém de melhor vida do que tiveram até então.


Há algum tempo Maria havia ido morar com a madrinha que era bem de vida e morava num belo casarão perto da praça, no centro de São Gabriel. A madrinha era a mulher do estancieiro que empregava os pais de Maria. Esta estância ficava para os lados de Rosário do Sul perto do Caverá onde reinava Honório Lemes o chamado Leão do Caverá, figura lendária da história rio-grandense.


Maria era uma moça vistosa, como a maioria das moças da fronteira oeste que vai de Uruguaiana,  Livramento até Pelotas, pelo sul do estado. Quer conhecer moças bonitas? Visite Bagé, Alegrete, São Borja, São Gabriel, Dom Pedrito e Rosário do Sul. Mais bonitas que a laranja de amostra. Algumas tão belas de fechar o comércio.


Numa tarde de domingo de Páscoa, a madrinha comunicou a afilhada que se preparasse e se comportasse pois viria um pretendente. Um rapaz de boa família, estudado e de posses para  cortejar a moça.


Na hora aprazada, com pontualidade britânica toca a aldrava na imensa porta de angico, entalhada com motivos da Revolução Farroupilha. Uma cena de batalha estampava a imensa porta  fixada com grandes dobradiças de aço. 


A madrinha ordenou que uma das empregadas atendesse o visitante. A serviçal abre a primeira porta com belo vitral colorido e segue para abrir a imensa porta de madeira e ferro. Ao abrir o visitante se apresenta:


  • Boas tardes. Sou o filho de Dona Mariquinhas e do Coronel Feliciano. Vim fazer uma visita.

  • Boas tardes moço, a patroa está lhe esperando, pode entrar e sinta-se à gosto. Encaminhou o moço até a sala de estar onde na mesa de centro havia um bule de porcelana inglesa, que fazia parte de um jogo de chá finamente decorado em ouro vindo de Oxford.


A madrinha chegou, cumprimentou o rapaz e chamou Maria, sua afilhada, para dar início a conversa. Deixou-a na sala, cada qual em sua poltrona, separados apenas pela mesa de centro e o bule, xícaras e biscoitos finos amanteigados. A madrinha ficou por perto, em outro cômodo com orelha em pé para tentar ouvir algum pedaço da conversa. como falavam baixo, e ela com certa idade não conseguiu ouvir nada. Só ouviu a porta da frente se fechar poucos minutos após ter deixado os dois na sala.


Surpresa, a madrinha voltou para a sala, o rapaz nem havia mexido nos amanteigados, cuja lata novinha em folha havia sido aberta para a especial ocasião. E a coberta de mesa de porcelana também estava intacta e nem um gole de chá ele tomou.


  • Maria, o que aconteceu? onde foi o filho de Mariquinhas e do Coronel?

  • Não sei madrinha, disse que se sentiu mal e pediu desculpas mas tinha de ir rápido porque acha que está com “nó nas tripas”.

  • Huumm, esta história está mal contada. Desconfiou a madrinha


Vocês devem estar pensando o que houve. Mas revelo a verdade. É que Maria não queria um casamento arranjado com alguém de posses. Já havia conhecido um outro rapaz, pobre, mas de quem se afeiçoou. E aos domingos de tarde quando ia passear na Praça hoje denominada Dr. Fernando Abbott, perto do quartel do Exército, bem no centro de São Gabriel, flertavam à distância. Até começaram a trocar algumas palavras e aos domingos de tarde se encontravam, quando a madrinha estava sesteando.


No dia da visita do pretendente rico, na tarde de domingo de Páscoa, Maria teria de dar um fim nas investidas da madrinha. Antes do moço rico chegar ela pegou uma fotografia do amado, fez dois furos e passou um colar pelos buracos. Pendurou no pescoço com a foto escondida dentro da blusa. De um lado a foto de quem ela gostava,  escrito  AMO-TE e no verso da fotografia um recado claro ao pretendente: NÃO AMO-TE.


Ao estarem sozinhos para o chá, biscoitos amanteigados e uma conversa de compromissos, Maria discretamente puxou a fotografia e deixou a mostra, primeiro o verso, dispensando o pretendente e depois virou com a foto do amado, deixando claro de quem era seu coração.


A madrinha nunca soube a verdade e o filho do coronel Feliciano pegou o “Minuano” e deu com os costados na capital dois dias depois para seguir carreira na política já que não gostava da lida campeira.


O pretendente não ganhou nem um chocolatinho e muito menos experimentou os finos amanteigados que voltaram para a lata estampada.


Naquela tarde Maria foi para a praça encontrar o amado, contou o acontecido e marcaram data para o casório, que ocorreu meses depois, sem a presença da madrinha, que ainda guarda a coberta de mesa de porcelanas e os finos biscoitos.



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