Almoço para agradar o genro
Nos rios pela região de Erechim, há alguns anos tinha muito lambari, uma espécie de vira-latas dos córregos e riachos. Dá para pescar com anzol, tarrafa e até com uma lata de azeite em alguns locais. Fura a lata para vazar água dá uma “tarrafeada” ou “lateada” e pronto. Um petisco barato, principalmente servido nos botecos para a gambazeira forrar o estômago. Uma prato de lambari banhado no óleo. Cura o porre e segue a beberança.
Mas um conhecido meu, começou a namorar uma moça e foram se conhecendo. Iam em acampamentos, rios para nadar no verão, pesque-pague que tem até tilápia, cascudo e outros peixes, mas o danado do lambari, sempre aparece no cardápio. Pratos decorados com alface, tomate, limão para neutralizar o forte cheiro e gordura de alguns peixes. E geralmente despejam uma poção generosa de óleo por riba. É enjoativo até de ler. Só que o rapaz ele não apreciava tal peixe. Só de pensar dava ânsia de vômito. Não tinha jeito de olhar o tal de lambari e muito menos comer.
O lambari frito sequinho até que vai. Depois entorna uma branquinha ou amarelinha para derreter aquilo tudo, quem sabe uma dose generosa de bitter.
Passados alguns meses de namoro chegou a hora de o pretendente conhecer a família da moça. Marcaram um almoço de domingo, lá para os lados do Jabuticabal, na estrada que vai para Cotegipe. Por volta das 10h30min desceu no ponto de ônibus, foi se aproximando da casa levando um bolo de milho para agradar a sogra e um litro de 51 para acalmar as lombrigas do sogro. Uns 50 metros antes de chegar na casa deu uma parada. Deu uma olhada na casa de madeira, o chaminé fumegando e respirou fundo. Pensou: Vou sumir na braquiária e depois digo que me senti mal, que perdi o ônibus. Mas isso não seria uma atitude correta. Nada contra a moça nem a família, mas o cheiro de fritura de lambari que ela odiava percorrida uma distância que infestava a vizinhança. E ele de camisa branca comprada no Meneguzzo. Ia ficar pagando no carnet mais seis meses. Minha camisa vai ficar amarelada, empesteada, pensou, mas seguiu com o sapato lustrado que comprou na Alegretti e agora estava só pó vermelho. Estava virado num “pé vermeio”
Lá da frente bateu palmas, o receberam e já sentaram na área em frente à casa. Uma cuia grande de chimarrão com erva bem verdinha já foi servida com uma chaleira de ferro e água quente que ficara nos pés do sogro que fazia as honras da casa. Quando o véio viu a garrafa de 51 os olhos saltaram de alegria. O bolo de milho feito pela mãe do noivo era grande e cremoso. A sogra lascou: nem precisava se incomodar meu filho.
Sentaram e o cheio de lambari atormentava o rapaz. Vou vomitar, pensou. Mas aguentou uma chaleirada de água para o mate. Pediu um ramo de carqueja para colocar na chaleira e sentir se melhorava da ânsia.
Por volta das 11h30 a sogra aparece com um pratão enorme de lambari frito nadando no óleo. Aquilo era uma tortura. Nem um limãozinho.
Come meu filho, o véio pescou ontem, e fritei agora bem quentinho para você ir apreciando.
Aquela foi a hora de pensar em se jogar no chão, chamar a ambulância e começar a babar. Mas não era uma atitude correta. Iria descobrir.
Esticou a mão trêmula, o suor frio corria pela testa e pelo corpo todo. A camisa estava encharcada, estômago embrulhado e olhos vermelhos. Vou ter um treco, pensou, mas estendeu a mão e pegou um lambari, o menor da beira do prato, que não estava tão oleoso. Deu uma dentada no rabinho, que estava mais seco. Roeu, roeu e não descia.
Come piá, pra ficar forte. Fui de bicicleta lá no Tigre pegar estes lambaris. Aproveita. Incentivou o sogro
E lá foi mais uma mordida engolindo inteiro o corpo do peixe. Deixou a cabeça de lado e o sogro: Mas a cabeça é melhor, para ficar sabido.
Sabido era o noivo que se levanto, pegou a garrafa de cachaça que trouxe de presente. Serviu um talagaço com duas doses de bitter mayerle bonnekamp misturou e anunciou um brinde ao sogro, sogra, noiva e ao lambari. E foi entrando pela cozinha para o almoço imaginando que o cardápio iria melhorar. Na mesa, salada de alface com cebola e tomate, macarrão com um delicioso molho à bolonhesa e de sobremesa sagú de vinho, arroz doce e pudim. Estava salvo, até que a sogra gritou. Pega lá os lambari para mistura que o rapaz gostou.
Ele nunca gostou de lambari, mas se salvou. E o lambari ensopado no óleo não atrapalhou o casório que já deve ter completado as bodas de prata.
O que tem para o almoço de domingo, hoje? Não é lambari frito.