Uma mesa de bar no fim de tarde com amigos, colegas de profissão sempre rende bons causos, como este que vou contar.
Há mais de 40 anos,por volta das 10 horas toca o telefone na redação do jornal. Só um plantonista nesta hora que ligava para delegacias de polícia, Polícia Rodoviária Federal e Estadual. Não havia boletins, nem rede social e nada unificado. Era discar número a número da lista imensa e colher informações anotando os ocorridos e se tivesse algo grave o fotógrafo iria mais tarde.
Naquela manhã o ramal da chefia tocava sem parar. Insistente.
Puta que pariu, que não pára de tocar essa bosta. Assim vou ficar o domingo todo aqui! Reclamava sozinho o repórter de plantão, um sujeito atarracado de pouco pescoço e vestindo bermuda o que lhe dava a aparência do mestre Yoda de Star Wars.
Redação do jornal, bom dia! Atendeu o repórter.
“Polamordedeus” Manda alguém aqui que o Nacinho loqueou. Falou a mulher do outro lado da linha.
O que houve, minha senhora? Insistiu o repórter.
Fala para mandar alguém aqui que ele está doido. Manda um padre também.
Mas o que houve?
Você vai ver meu filho, me manda bombeiros com escada, ambulância e um padre. Ordenou a senhora.
O experiente repórter ligou para a chefia, comunicou o fato, em seguida telefonou para os Bombeiros, Polícia Militar que tinha ambulâncias e correu atrás de um táxi. No caminho passou no bairro Floresta onde morava um padre dos bons e pelo jeito do fato requeria alguém experiente. Tocaram para o Conjunto Habitacional Monsenhor Scarzello, no bairro Petrópolis. A Brasília, duas portas, amarela pintada a pincel pelo taxista quase levantou vôo. Chegou a 60 km por hora na Monsenhor Gercino quando era paralelepípedo. Chegaram rápido. Domingo de manhã, pouco movimento e na época Joinville era conhecida como Cidade das Bicicletas, nada como hoje que cada um tem seu auto.
De longe já dava para ver o entrevero de gente e o colega em destaque. Taxista ficou de boca aberta, o Padre, com dificuldades, saiu do banco de trás da Brasília com seus paramentos e um reforço de água benta, pois “las brujas” estão soltas.
Logo chegaram Bombeiros, Polícia e a chefia.
Nacinho, desce daí. Deixa de ser lacaio. Ordenou o chefe.
Daqui não saio// Daqui ninguém me tira. Cantava a plenos pulmões uma famosa marchinha de Carnaval. Com voz meia englolada devido aos efeitos da loucuragem.
Um oficial da PM tentou negociação, bombeiros trouxeram a magirus e Nacinho, nada de descer. Corria de um lado para o outro no telhado da casa da Cohab, cantava a marchinha e de vez em quando um uivo, um urro e bradava.
Eu sou o Tarzan! Eu sou o Tarzan! OOOOHHHHHHUUUUUHHH!
Vizinhança dava risada, família envergonhada, colegas preocupados, afinal se cair é morte certa. Ainda vai dar gasto e o pessoal vai ter que fazer vaquinha para enterrar o vivente.
Aquela lambança durou um bom tempo até que a chefia experiente achou a solução. chegou mais perto da casa ao pé da magirus e argumentou:
Tarzan! O Padre acha que você está com o diabo no couro. A Polícia vai te levar por causa da confusão e perturbação. Os vizinhos estão putos que você acordou todo mundo num domingo de manhã. A Jane não quer papo com você. A Chita não vai mais pular de galho em galho. Se você descer tenho dois presentes que te mandaram:
Na minha mão direita um litro da melhor cachaça do Moppi, a amarelinha, envelhecida nos barris mais antigos e você conhece bem. Ele te enviou de presente e na minha mão esquerda uma maconha melhor do que esta que você fumou que teu compadre do Floresta te deu.
Desce, pega teus presentes e aproveita o domingo.
Lá de cima Nacinho parou o gritedo. Como se fosse um milagre, se fez o silêncio. Pensou, olhou a multidão. Estufou o peito deu mais um grito de Tarzan. - OOOOHHHHHUUUUU! E se atirou do telhado, caindo na cama de contenção dos Bombeiros.
Quero meus presentes! Cobrou a promessa tão logo estava estirado na cama elástica.
Fato verdadeiro. Nada de nomes porque alguns estão vivos, ainda, aqui em Joinville. Se o seu vizinho fizer alarido que é super herói. Nem chame o Padre Quevedo. Siga a fórmula e aproveitem o feriadão de primeiro de maio.
O Tarzan? Naquele domingo secou a garrafa da “marvada”, de tarde enrolou uns três charutos de maconha e na segunda foi trabalhar. Chegou com cara de quem nem sabe de nada. Viveu mais 40 anos.
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