Era um casal, que aparentemente se gostava muito e principalmente nos finais de semana as demonstrações de carinho ultrapassavam até mesmo Wando na canção Fogo e Paixão.
Nos finais das tardes de sábado a movimentação começava. Bernardo iniciava o fogo na churrasqueira, Paula preparava as bebidas e a JBL ligada no spotify com a melhor seleção que os três apreciavam. Toni, era caladão e ficava só observando, nada fazia.
O cheiro do churrasco atravessava o muro e me atiçava. Também quero um belo pedaço desta carne. Não da vizinha Paula, que também era um espetáculo, mas da alcatra, maminha e às vezes picanha. Bebidas no gelo de boa qualidade. Vinhos de Vapolicella, nada de promoção de supermercado e cervejas só Heineken.
Da JBL saia a trilha sonora apaixonada com Roberto Carlos, Caetano, Betânia, Wando, Marisa Monte e lá no meio até um Reginaldo Rossi cantando Mon Amour, meu bem, ma Femme. Assim eram as noites de sábado. Ouviam música, comiam iguarias e churrasco, dançavam e às vezes a música ficava tocando e o trio ficava em silêncio. Dava para ouvir risadinhas, algo faziam….Depois retornavam a dançar de rostinho colado. Eu ouvia os tlec! tlec! de garrafas vazias sendo descartadas na lixeira
Mas teve uma noite que Bernardo quase furou os ouvidos da vizinhança repetindo várias vezes a canção Depois de Marisa Monte. Ouvia, tocava de novo e de novo e de novo. Acho que era um adeus, pois não o vi mais. E Paula ficou reclusa por uns tempos até que outro carro começou a estacionar na frente da casa dela. E Toni, com cara de emburrado, ali sentado.
Certa noite lá pelas cinco acabou bebida, acabou comida e a fome bateu. Imagino que ninguém estava em condições de dirigir e nem pedir fast food. Paula sugeriu:
Tenho um pacote de grãos. É só jogar água para amaciar e uns molhos.
Não sei, preciso de “sustança”, e não sou passarinho para comer alpiste ou qualquer outro grão, respondeu Bernardo. Mas mesmo assim ela preparou o prato e devoraram. Depois se fez silêncio até o sol raiar. Certamente dormiram com a pancinha cheia de bebida e de “grãos”. Toni nem bola. Nem experimentou.
Acordei às 6 horas, preparei um mate e fui para a frente de casa olhar o movimento, que não existe. Olhei por cima do muro e lá estava Toni. Olhava para mim e para a lata onde davam a ração dele. Entendi na hora. os “grãos” que comeram era a ração de grandão que ficou sem comida. Aturou a dupla a noite toda, enjoou de Marisa Monte, não lhe deram os “grãos” com molhos. E não tinha como reclamar.
Preparei uma porção generosa da melhor ração, com sachê de carne, e levei ao velho Toni que salivava e devorou em poucos segundos. Feliz, sorriu para mim e deitou na calçada. Teria o sono dos justos na manhã de domingo. Naquela tarde alguém deixou meu prato em cima do muro. Nada falaram. Toni virou meu amigo. Quando passo em frente da casa faz festa, abana o rabo, sorri e pula. Sempre é bom fazer novos amigos.
imagem:Stock de Arte
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