sábado, 15 de junho de 2024

Dia dos Namorados acompanhado do conhaque amigo


Nesta semana passei na casa de um amigo de longo tempo. Fui abrindo o portão sem tramela e entrando. Dei a volta pelo lado da casa, um cusco cruza de pastor com vira-latas já veio abanando o rabo, numa faceirice de dar inveja a solteirona que dançou no baile dos Monarcas. 


Lá no fundo do lote, embaixo de um pé de canela, com bom sombreamento estava o Carlos, ou Calinho para os amigos. Com um canivete Solingen na mão direita estava peleando com uma laranja. Sentado num cepo de madeira de lei, usava outro menor para servir como mesa, onde exibia uma garrafa pela metade do conhaque Sedutor. Ouvindo uma seleção de dar dó, do sofrimento e da dor de corno que devia estar sentindo este filho de Nosso Senhor.


  • Buenas, amigo velho - cumprimei ao chegar

  • Buenas, senta aí, fica quieto, não enche o saco ou te arranca. Me recebeu com seu jeito peculiar.


Me estendeu a mão direita com uma cuia de mate com carqueja. Vi que a coisa não estava boa. Parecia um bezerro desmamado, desacorçoado e macambúzio. Puxei prosa:


  • Quem morreu? 

  • Ninguém

  • Mas esta cara dá medo

  • Não te mete, respondeu


Me serviu um generoso gole do Sedutor, que por valentia tomei num trago só. Limpei a goela e fiquei curado do resfriado. Remédio bom.


Calinho já é moderno e usa Spotify. A seleção incluia Waldick Soriano, Altemar Dutra, Lindomar Castilhos, Odair José, Gilliard, Amado Batista e algumas românticas gaúchas como Romance na Tafona de Luiz Carlos Borges. Aí já entendi que o problema era o cornismo. O chifre do vivente estava arrastando no pátio e levantando poeira.


Me servi de mais uma cuia e depois mais uma dose de Sedutor. Pelo teor alcoólico deveria ser “embelezador” pois num baile lá pela meia noite todas viram princesas ao olhar de quem entornou duas ou três doses daquele conhaque, que os cantores usam para aquecer a voz.


  • E o que deu no bicho? Perguntei.

  • Milhar na cabeça, melhor que ganhar por uma cabeça no prado.

  • E na carrera na cancha do Tio Floriano?

  • Ganhei três paradas e perdi uma por causa de um pangaré.

  • E no osso, deu alguma coisa?

  • Credo! me respondeu mais animado e me mostrou o bolo de dinheiro do bolso.

  • E lá no torneio de bilhar? 

  • Sempre tem um incauto. Sai campeão e com guaiaca recheada.

  • Só falta me dizer que aquele galo velho ganhou a rinha?

  • Nada, apostei no galo cinza que deu dois puaços e saiu vencedor. Com um leve sorriso de canto de boca me mostrou a bolada que tirou do outro bolso.

  • Semana de sorte, e no pano verde?

  • Limpei três argentinos, dois paraguaios e um pé vermeio do Paraná. Foi de mão.

  • Mas se a semana foi tão boa, por que esta tristeza? 

  • Não me pergunte. Não vê a casa vazia?

  • Pois é,  só está o cusco aí soltando pelo. Onde anda Paulinha?

  • Pegou as trouxas e se foi e passei o dia dos Namorados solito, abandonado que nem o verso: Sigo que nem filho de perdiz, todos meus irmãos casaram, só eu que ninguém quis.Declamou meio borracho.


Entendi o sofrimento e a dor. Como diz o ditado: Sorte no Jogo, Azar no Amor. 


Calinho levantou, firmou as pernas e me convidou:

  • Vamos dar um pulo na pulperia, chegou uma roleta nova.


Seguimos adelante, juntar mais uns pilas na algibeira.






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