Nos anos 80 quando eu trabalhava em uma grande empresa de comunicação, em Pelotas, onde fui o chefe de jornalismo e a equipe contava com um dos motoristas meio renegado. Mas sempre com grana no bolso. A maioria ganhava pouco e sempre não dava até o final do mês, mas o Val sempre com carteira recheada.
Quando havia pautas como jogos do Brasil ou do Pelotas nos domingos de tarde, estava feita a briga, se negava a trabalhar, fazia confusão, mas escala é escala. Se não for trabalhar troca com alguém ou é descontado o dia, e sempre se repetia a mesma situação. Certo dia perguntei aos colegas o motivo da revolta. Tínhamos um outro colega que não perdia a Tablada (hipódromo), pois apostava nos cavalos. A turma do carteado era de noite.
Aí meio que demorou para me falarem algo. Umas duas semanas depois, escalado para levar a equipe em uma partida no Bento Freitas, onde o Brasil receberia um time nacional. nem lembro mais qual. Apertei o cerco e pedi que ninguém trocasse com o horário com Val. Ele teria de ir. Fez um banzé e o chamei. Ou cumpre o horário ou demissão. Daí ele me contou.
É que nos domingos vou no Ferrinho, justificou.
O que é isto? Questionei.
Lá na Ferroviária tem um clube o Ferrinho que faz bailinhos nos domingos de tarde. Detalhou.
Sim, mas o que tem isso a ver com o trabalho?
É que tem uma tabela de preços.
Todo lugar tem, para entrar e para beber e para comer, comentei, ainda com paciência.
Tu não entendeu ainda. é uma tabela de preços para dançar com as mulheres, respondeu detalhando os valores e serviços. Para cada tipo de música dançada um valor e se a dama desejasse a companhia na mesa a tarde toda, tipo namorado o valor seria mais elevado e se ela optasse pela companhia do rapaz para levá-la até em casa, o valor seria acrescido com bônus substancioso. Afinal as ruas do bairro Simões Lopes e Fragata, principalmente, não eram muito confiáveis nos finais de tarde.
E você acompanha muitas senhoras até em casa? Perguntei ao Val.
Sim, teve uma tarde que acompanhei quatro em uma tarde. Rendeu bom dinheiro.
Orientei que não faltasse ao trabalho, pois ali era seu ganha-pão. E no Ferrinho fazia fila de “coroas” com idade avançada, daquelas bem rebocadas de pintura, voz grossa por causa do Hollywood que fumavam um atrás do outro, e o cheiro insuportável de perfume Dolce Vita, sabonete Phebo, talco Cashmere Bouquet ia longe.
E Val, naquela tarde de sexta comprou um Drakkar Noir de um “executivo de fronteira” que trazia muambas do Chuí. Final do expediente foi ao camarim, molhou o cabelo, puxou para o lado e passou um gel. Camisa limpa que tirou da sacola, sapatos lustrados e correu para o ponto do ônibus. Pensei, mas hoje não tem Ferrinho, é sexta. Perguntei ao guarda que me respondeu.
Hoje é sexta e tem Estrela Gaúcha, no Fragata.
Mas tem coroa com tabela? perguntei
Tem umas com tufo na guaiaca, garantiu o guarda da noite.
Para você entender, o Ferrinho era o Clube Ferroviário, junto à estação da RFFSA, na avenida Brasil, no Simões Lopes, saída de Pelotas para Rio Grande.
E assim segue o baile.