Há alguns dias encontrei a Lurdinha, sentada em frente da casa dela bordando um pano de secar louça. Talentosa na culinária e no crochê, afazeres que aprendeu nas necessidades da vida e convivência com a mãe e com a avó. A família era grande e todos se encaminharam. Os homens foram embora buscar seus rumos, as irmãs casaram cedo, como era de costume. Lurdinha cuidava da avó e da mãe e a vida toda preparou seu enxoval.
Lembro que a mãe dela, uma senhora de poucas posses,sem estudo e que trabalhava como faxineira, criou todos e sempre confidenciou para as comadres de que sua maior dor e preocupação era a Lurdinha: Como vou morrer e deixar a Lurdinha desamparada sem um marido? Como se o casamento fosse resolver algo, afinal nem o dela resolveu, porque o marido sumiu quando a família aumentou. Preferia zona, bebidas e liberdade sem compromisso de sustentar a todos.
Enquanto eu conversava com Lurdinha ela não tirava os olhos do bordado. Ponto a ponto ia surgindo no pano branco, esticado com arcos, o desenho de um pato sorridente.
Já fiz todos os bichinhos. comecei com a galinha, porco, vaca com balde de leite, tem o ganso brigão, meus cachorros e agora o pato dando risada, explicou. Deu uma parada e me serviu um mate. Ainda bem que não era com mel. Afinal eu sou muito mais jovem para ela pensar numa possibilidade dessas.
Tomamos algumas cuias e ela fez questão de me convidar para entrar. Entramos na casa, fiquei meio empacado e ela insistiu para me levar até o quarto dela, na casa onde vivia com a mãe e a avó. Aí fiquei mais preocupado ainda. Ela que não queira realizar os sonhos dela comigo, pensei. Dou de rédeas e sumo campo afora.
Ela se ajoelhou na beira da cama e puxou as cinco malas, daquelas antigas feitas de um tipo de papelão, uma cartonagem mais grossa que se a chuva pegasse desmancharia. Colocou-as em cima da cama e abriu toda. Me mostrou o enxoval feito e quadrado nos últimos 50 anos. Ali tinha lençol, fronha, toalhas, panos de prato e outras peças. Tudo limpinho, branquinho e engomado, nada amarelado.
Lurdinha, você ainda faz o seu enxoval? Perguntei.
Como assim? Ainda faz… me repreendeu. Acendo vela para Santo Antonio todos os dias e sei que um dia o Agenor vai vir me buscar. Ela prometeu para minha mãe que se casaria comigo e que ela poderia morrer em paz que eu ficaria amparada.
Elogiei o capricho do enxoval da Lurdinha e concordei que o Agenor um dia pode aparecer. Preferi ficar quieto, pois em boca fechada não entra mosca. Mas me deu vontade de dizer para Lurdinha que Agenor partiu para o campo santo há 30 anos. Quem sabe em outra vida se encontram.
Agora vou tomar meu mate e quem sabe aprender a bordar em crochê.
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