quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A Jeripoca vai piar!

 A Jeripoca vai piar!


Esta história eu posso contar porque o principal personagem já não está mais conosco, mas vou preservar os demais personagens que ainda andam por aí. O causo aconteceu nos anos 90 e quando falo com alguma amiga, colega eu sempre alerto: seu marido vai pescar no Mato Grosso, Argentina, Paraguai? Coloque uma nota de 100 na isca. Se no retorno o dinheiro estiver alí….huuummmm.


Há mais de 20 anos uma turma grande saia de Joinville para pescaria nestes locais distantes. Era muita vontade de pescar. Mais de 3.000 quilômetros, ida e volta de ônibus para pegar uns peixinhos. E nada trazem, pois alegam que a pescaria é “esportiva e/ou contemplativa” Pescam, fotografam e devolvem ao rio. Tá bom….


Este evento ocorreu em Corumbá, num pesqueiro às margens do caudaloso rio Paraguai, lá na esquina onde se encontram Brasil, Paraguai e Bolívia, lugarzinho bom demais. Dizem que há sobra de Surubim, Pacu, Dourado, Tucunaré azul e amarelo e também tem piranha dos dois tipos, o peixe carnívoro e ...bem vocês sabem. E tem também a Jeripoca, um peixe de couro escuro esverdeado com tons de castanho e manchas pretas ovaladas. Tipo uniforme militar camuflado. Este peixe nada na superfície e emite um som característico, que gerou a expressão popular naquela região: a “Jeripoca vai piar”. Significa que vai acontecer algo inesperado, intenso, forte.


Mas os “pescadores” se foram. A viagem divertida com boa bebida, boa comida, jogo de cartas, contação de piadas. Uns bagunçam, outros dormem e assim cumprem os quase 1.600 km de trajeto. Chegando lá o pessoal saiu do ônibus na frente do pesqueiro e quando este meu amigo personagem desceu as escadas já chamou a atenção da guia. Ele com uns 50 anos, alto, magro, cabelhos grisalhos e bem apessoado. Bem humorado, bebedor de bom uísque e infelizmente fumante. Era um cigarro atrás do outro. Vou denominá-lo como Alberto.


Alberto ao dar o primeiro passo no solo vermelho mato-grossense de Corumbá já avistou a líder, que se chegou. Com um aperto de mão que mais parecia uma prensa hidráulica. Vestida de roupas camufladas, faca na cintura e um cinturão onde pendurava um relho e um cantil. Media cerca de 1m90, 80 quilos bem distribuidos num corpo firme, musculoso e sem nenhuma gordurinha. O aperto de mão e a faca na cintura  era um prenúncio do que ela era capaz quando queria algo. A guia ignorou todos os outros 30 “pescadores” e foi direto no Alberto - Bom Dia. Eu vou ser a guia do pesqueiro e você é um homem muito bonito. Hoje a “Jeripoca vai piar”. Saiba que já fui miss Pantanal?” - adiantou. Sem nada falar Alberto só sentiu a firmeza daquela mão e imaginou do que era capaz numa boa briga para apartar ou para bater.


Cada qual no seu quarto, instalados foram descansar um pouco, já que a pescaria iniciaria bem cedo no dia seguinte, afinal ficaram dois dias sovando dentro de um ônibus num calor superior a 40 graus lá fora. E no Pantanal, a umidade e calor não é para fracos. Imagina para bebedor de uíque e fumante. Preferia observar a pescaria das barrancas do Paraguai. Nem selfie fazia porque não existia celular e as máquinas de fotografia (proibidas por razões óbvias de segurança familiar) eram de filme, Algo complicado para colocar e tirar, principalmente quando a cachacinha era boa.


Após descanso a guia havia preparado um Dourado e um Tucunaré para a turma de famintos. Volta e meia era passava perto do Alberto e atentava: Hoje a Jeripoca vai piar”. Já o deixou preocupado. Imaginou tanta coisa: será que é uma cobra, assombração, que diabo é isso que esta doida está falando?- questionou em seus pensamentos, mas nada comentou com os colegas.Continuou com seu uísque copo longo com gelo. Algumas doses a mais já estava no cowboy. Huumm, pensando bem,  também acho que a Jeripoca vai piar. Vai começar a ouvir coisas: onça, coruja, jacaré, e vai ouvir de pertinho a Jeripoca.


Mas Alberto desanuviou os pensamentos e  ouvia seu inseparável radinho de pilha. Levava sempre para ouvir o JEC-Joinville Esporte Clube, mas lá ouvia as músicas das rádios locais. Guarânias do Paraguai, Milionário e José Rico na rádio Corumbá ou uma diablada boliviana. Pancinha cheia, cada qual no seu quarto. Cansados da viagem e bem alimentados, todos foram dormir lá pelas 21h.


Lá pelas 21h15min começa a assombração. Alberto meio zonzo do uísque ouvia as corujas, já sentia o jacaré entrando pelo quarto jura ter visto uma onça caminhar pelo telhado da pousada. A decoração era  pitoresca, mas assustadora: piranhas, couro de cobra, tapete de couro de onça e uma imensa cabeça de jacaré com a boca aberta na parede dos pés da cama. Eu não ficaria alí.

Mas o barulho que o intrigou foi na porta de sua suíte selvagem:

    -Toc ! Toc! Toc! - Abra a porta meu lindo! Não te faz de bobo. Eu te prometi que hoje a Jeripoca vai piar”.- sussurava uma voz feminina grossa. Na dúvida se fosse efeitos do uísque, assombração ou o cumprimento da promessa da guia do pesqueira. Alberto só levantou o volume do radinho de pilha e adormeceu na cama com colchão de palha, travesseiro de penas. Tocava no radinho Paixão Proibida. Na manhã seguinte no café? Nem um piu!



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