Domingo geralmente é dia de churrasco. E isso me lembra a “fartura” que tínhamos. Não éramos ricos. Nem nós nem nossos vizinhos, mas aos domingos se espalhava o cheiro do braseiro e da carne assando por toda a rua. Acordava até quem pretendia dormir mais. Não é possível ficar na cama com o aroma da carne assando que invade as venezianas e envolve seu nariz fazendo pular do colchão de palha, jogar de lado o acolchoado de lã e dar início a lida.
Lá pelas 9h começavam as atividades. Nada de churrasqueira com motorzinho, luzinha de led, grelha, e apetrechos gourmet.
Apenas alguns tijolos amontoados ali no pátio mesmo e o fogo feito com lenha. A mesma lenha do fogão que já está seca e empilhada no porão.
A carne quando a quantidade era necessária devido a um aniversário, ou comemoração maior íamos buscar num açougue/matadouro lá em Três Arroios. Ficava à beira de um riacho que cortava a cidade e o que me impressionava era que a buchada e sangue do boi jogavam no córrego e descia a correnteza. Nada de inspeção sanitária. Cerveja, tinha de ser Serramalte de Getúlio Vargas que vendia engradados num posto de vendas junto a fábrica. Para a piazada Laranjinha Balvedi.
Mas no dia a dia havia um açougue ali perto que abastecia todo mundo com carne, sal grosso e algum tempero.
Empilhados os tijolos, lenha já armada com gravetos e um buraco para enfiar uma bucha de jornal embebido em óleo e prender fogo. E já se alimentava o fogo com mais lenha até o braseiro. Espetos limpos. Sim, claro que espeto. Onde se viu gaúcho fazer bifão na grelha. Isto é coisa de assador nutela, ou modernista gourmet.
O fogaréu ardendo, olhos vermelhos irritados com a fumaça, mas estava tudo ótimo. Lá pelas 10h30min uma bacia enorme com as carnes e tampada com um pano de algodão bem branquinho, deixado de molho no anil e alvejado no no quarador.
Fogo no ponto, estoque de madeira seca do lado, uma garrafinha com água para diminuir a labareda se a graxa da carne resolvesse incendiar mais da conta.
Começa o espetamento das linguiças, da costela, da alcatra, da cebola, do pão para tostar. As carnes eram peças inteiras. Nada de cortes pequenos ou fatiados. Cebola assada, depois picada e temperada com azeite de oliva, sal e pimenta do reino é de lamber os beiços.
Tudo pronto! Agora é só colocar sobre o fogo e sem pressa esperar.
Como já contei ontem, os vizinhos era amigos, mais do que parentes. Cada um na sua casa também já preparou seu espeto. E era hábito três ou quatro vizinhos, cada um trazia sua carne espetada para aproveitar o mesmo fogo. Afinal, era um momento para ficar se aquecendo, conversando com a cuia de mão em mão ou uma caipirinha para abrir o apetite que geralmente era feita num canecão daqueles de baile de chope. Dava um litro de caipira.
E nas cozinhas de cada casa, continuam os preparativos de uma salada de alface, radicci, maionese, farofa, arroz doce, ambrosia, sagú, cuca com frutas.
Carne no ponto, cada uma para sua casa almoçar com suas famílias. De tarde uma sesteada porque ninguém é de ferro. Claro que sim, acorda lá pelas quatro da tarde para estar disposto para um chimarrão com carqueja que ajuda na digestão. Café com cuca, pão com chimia, manteiga, salame, queijo e duas voltas de linguiça só lá pelas cinco e meia. Afinal ninguém é de ferro.
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