Presentinho
Quando eu era criança, diariamente nossa casa estava cheia. Como a mãe era costureira vinham as clientes, as comadres e vizinhas e alí passavam as tardes e início de noite.
Falavam de suas vidas, de seus filhos, de seus problemas. Era um verdadeiro consultório sentimental, psicológico e de aconselhamento. Tinha até uma conhecida que “botava as cartas” para as senhoras curiosas de suas vidas e futuros. Era a tia Ana Rigotti, que Deus a levou neste último domingo aos 98 anos.
Cada uma tinha sua história de vida, seus segredos, seus problemas. Algumas gostavam de bebida, outras de fumar, outras de fumar e beber, outras de gastar em vestidos novos e algumas roíam unhas, como vícios, nervosismo, outras eram carolas e não perdiam uma missa, outras só falavam da vida dos outros, outras se lamentavam da vida que tinham, outras pensavam o que fariam de comida. Enfim, assuntos variados. Repertório não faltava.
Eu tinha uns 8 ou 9 anos, numa tarde a minha mãe me chamou e mandou eu levar um presentinho para a Tia Marlene. É a mãe de amigos de infância que convivíamos diariamente, o Wagner, a Miriam e o Clóvis.
Vai lá na tia Marlene e entrega este pacotinho para ela. Para mais ninguém - recomendou.
Obedientemente peguei o pacotinho e fui caminhando, pelo costado da rua. Ainda não havia pavimentação e nem calçadas. Era perto de casa, uns 200 metros de caminhada, próximo a famosa Escadaria, em Erechim, que ligava a avenida Salgado Filho da parte de baixo com a parte de cima da cidade.
Cheguei entrando. Naquela época, chegávamos sem cerimônia, as casas ficavam abertas. Desci a entrada da garagem, subi a escada que ficava do lado da casa, que dava numa varanda que circundava toda frente e lateral direita da casa e tinha acesso a despensa e cozinha. Uma coisa que me chamava atenção naquela casa é que tinha uma banheira, dessas que só se via no cinema. Achava chic. Uma banheira estilo filme Psicose, de Alfred Hitchcock, onde o Normal Bates…….Com cortina de plástico.
Ao chegar o cachorrinho já me anunciou. Tia Marlene veio ver do que se tratava.
A mãe lhe mandou um presentinho - anunciei faceiro, imaginando que fosse de aniversário ou outra data especial, certo de estar trazendo uma boa surpresa.
Obrigado, vamos ver o que é - respondeu.
Tá bom. Concordei. Ela abriu o pacotinho, mal embrulhado, com papel simples e colado com durex. Desembrulhou o pacotinho onde havia uma caixinha dentro. Abriu a caixinha, fez uma cara pensativa, imaginando o que responder. Por frações de segundo me olhou, fitou a caixa e mandou o recado.
Leva de volta pra tua mãe e diz para ela comer tudo! Imagino você, se prestar para um serviço desses! - Devolveu o presente rindo.
Fiquei meio sem graça e voltei para casa. Voltei mais rápido do que fui. Tipo um pé lá e outro cá! Entrei porta adentro meio assustado e fui direto na sala de costura. Sentadas quatro mulheres me olhando e intimamente ansiosas para saber como foi a reação da entrega do presente. Me olharam, com um leve sorriso sarcástico no canto da boca e babando para saber o que houve.
O que a tia falou?, perguntou a mãe rindo.
Disse que é para a senhora comer tudo - respondi
A mãe, a avó Elvira, a tia Koka e a dona Setembrina caíram na gargalhada. Pois eu fui apenas o mensageiro.
As “véias” pegaram uma caixinha de fósforo, tiraram os palitos e encheram de unhas cortadas e mandaram eu levar para provocá-la. Já que a Marlene tinha o costume de roer as unhas. Logo em seguida chega a tia Marlene, que veio “tirar satifação”. Só restou darem risada umas das outras e seguir a roda de chimarrão e em meio a tecidos, máquinas de costura.
Lembranças de uma infância feliz.
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