Era uma tarde de domingo de tempo enfarruscado, nuvens cinzentas e parecia que vinha um temporal. O cacique alertou que tinha maus sentimentos naquela tarde. Mandou a indiarada para suas casas para ver se estava tudo fechado. Poderia vir uma tempestade de granizo.
Mas logo em seguida parou um carro corcel 72, quatro portas de cor azul. Estacionou na frente do bar, restaurante e hotel no Faxinalzinho, que fica entre São Valentim e Nonoai. O carro ficou embicado para a estrada que segue para Nonoai e em seguida para o Goio-ên, onde tem passagem pelo Rio Uruguai para Santa Catarina.
O cacique ficou desconfiado porque o chofer não desceu do carro e o motor ficou ligado. Nada bom para aquela tarde de domingo. E a indiada já meio emborrachada, falando alto, alguns cantando e outros peleando por causa do Inter e do Grêmio, já que mais tarde teria Grenal.
A dona do estabelecimento, aparentada do cacique do Votouro, pegou de baixo do balcão o “amansa louco”, nada mais do que um porrete feito de cerne de angico. Resolvia qualquer encrenca. Era só mostrar o lustroso que os malevas já curavam a bebedeira.
Os três falquejados que desceram do auto entraram firmes no boteco. Subiram os três degraus de madeira e já tomaram conta. Dois calçaram os clientes com duas garruchas e o líder seguiu para o balcão.
Dona, nem adianta pegar o amansa louco. Ninguém vai se machucar. Só quero o “caderninho”. Silêncio se fez. Não se escutava nem um mosquito zunindo. A indiada toda ficou bem quieta. Nem o cacique fez frente para defender a parente e os demais caingangues da reserva.
Não sei do que o senhor está falando - respondeu calmamente a dona do hotel, restaurante e boteco. Ela dividia os ambientes. Uma parte era familiar para recepção do hotel, e um armazém de secos e molhados e na outra parte era um bar onde servia cachaça, cerveja, bitter e eram preparados alguns pratos como torresmo, linguiça frita para forrar o estômago da “gambazeira”.
Deixe de conversa. Me passe o caderninho e vamos embora. Insistiu o líder da quadrilha.
Não sei de caderninho nenhum, insistiu a bodegueira até que ouviu um dos clientes, que ela não identificou gritar lá de perto da porta:
Ela esconde dentro da “brusa”.....
O líder da bandidagem ouviu e insistiu que ela entregasse. - Não quero faltar com o respeito com a senhora, aqui tem até parentes seus. Não vou pegar com minhas mãos, mas quero o caderninho.
Lentamente ela largou o porrete de angico em cima do balcão, cheio de riscos de facão, virou-se de costas, retirou o tal caderninho e largou em cima do tampo de angelim.
O assaltante pegou o tal caderno, olhou as anotações e saiu de costas. O mesmo fizeram os outros dois comparsas. O corcel que estava com tanque cheio e motor ligado e quente saiu fazendo poeira na estrada que sai de Faxinalzinho, passou pela frente do cemitério e não foi mais visto.
Refeitos do susto, um por um foi saindo do bar. E a dona gritou: - Podem voltar. Aí tem dente de coelho. Acham que as dívidas se foram com o caderninho, pois vocês, seus velhacos, que armaram esse assalto não sabem que eu entreguei um livrinho de receitas e não a caderneta das contas penduradas de vocês. Sorte minha que o ladrão não sabia ler e azar de vocês porque as dívidas continuam e agora aumentaram com a despesa de hoje.
Um a um passaram pelo balcão, atualizaram a despesa e foram para casa ouvir o Grenal pela Rádio Guaíba em ondas curtas. Emburrados de contratar um perigoso bandido que não sabia ler.
sábado, 17 de dezembro de 2022
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