terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A Fera do Carnaval



Há cerca de 40 anos, quando eu vivia e estudava em Pelotas, na Universidade Católica, acompanhava o tradicional e grandioso Carnaval de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul. Era famoso, com grandes, escolas, blocos, bailes e o desfile na avenida Bento Gonçalves.


A disputa era feroz e dava até briga pelos resultados. Dois colegas de trabalho uma vez se pegaram no tapa, soco, mordida em pleno palanque por uma discussão de um resultado de desfiles passados. Coisa de algumas frações de pontos que resultou no fato de uma determinada escola perdeu o título e um deles não se conformava e ao encontrar um dos jurados, que ele acreditava ser o responsável partiu para cima ferozmente. A turma do deixa disso os apartou.


Mas este causo foi o seguinte. Uma escola do bairro Areal, estava concentrada perto do Museu da Baronesa e um dos carros alegóricos era uma jaula que deveria ir um homem-fera dentro dela. Só que o titular se “emborrachou” num dos botecos do bairro e não apareceu. Desespero geral da diretoria da escola. 


Um conhecido sugeriu que se colocasse a fantasia em qualquer outro, pois só faria cena de uma fera enjaulada, como se fosse o King Kong. Teria de urrar, se debater e simular que estava preso às grades. Principalmente na frente dos jurados deveria convencer de seu sofrimento por estar cativo.


Um colega que trabalhou comigo na RBS TV Pelotas, malandro, sugeriu que se vestisse a fantasia do homem fera num conhecido da região, daqueles que ficavam por ali, de bar em bar, sem ocupação. chamaram ele e fizeram a proposta:


  • É só vestir a fantasia e quando chegar na frente dos jurados você imita uma fera. Explicaram.

  • Não tem problema. Está na mão do artista. Mas o que eu ganho? Sabe que saco vazio não para de pé. Argumentou negociando.

  • Vamos te dar 100 pilas, banquete no Lobão, uma camiseta nova do Brasil  e vai ser nosso destaque da Escola. Garantiu o presidente da escola, um contraventor conhecido, mas com a guaiaca recheada.


Devidamente trajado, entrou na jaula, pois estava na hora de a escola levar o cortejo para a avenida. Meu colega malandro trouxe uma garrafinha e entregou para o homem-fera. 


  • Esta vale ouro. É lá de Santo Antônio da Patrulha. Vai devagar, senão você vira um godzilla, um jiraiya, recomendou nosso colega ao destaque.


Enquanto o carrgo alégorico da jaula com a fera enjaulada seguida da Baronesa até a avenida, ia sacolejando numa rua de paralelpípedos, e ele ali bebericando a “amarelinha” de bom gosto.


Chegou a hora da escola desfilar. couro comendo na bateria, comissão de frente, velha guarda, passistas e destaques entoavam o samba enredo na voz do puxador. Noite quente e com milhares de pessoas assistindo o desfile. A escola tinha de fazer bonito. Ganhar era essencial para orgulho de todos do Areal.


Quando a escola passou na frente da comissão julgadora, a fera estava possuída. Gritava, urrava, se jogava contra a jaula, rolava pelo chão do carro alegórico e simulava romper as grades. A criança com medo, alguns achavam que era uma fera real. Coisa vinda do Uruguai, ou algum bicho brabo que vivia escondido no Taim. 


O carro passou e deixou um rastro de veracidade, medo, exaltação e um cheiro insuportável. 


Lembram da cachacinha amarelinha que meu colega entregou à fera no início da concentração para animar o artista? Pois é. Era uma preparado de pinga com sal amargo. Uma bomba atômica.


A escola fez bonito, venceu o desfile de Carnaval, mas ninguém queria tirar a fera da jaula. Além de gambá, estava todo cagado. Ainda bem que os Bombeiros deram um jato na alegoria para que chegassem perto e libertassem a fera de seu cárcere.


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