Andando pela feira do livro de Joinville encontrei um amigo de muito tempo. Conversamos sobre livros e a prosa rumou para os causos. Bom de conversa me contou o que aconteceu com ele há mais de um quarto de século
Ainda jovem veio com toda a família e algumas trouxas tentar a vida em Joinville. Deixaram São João do Ivaí, lá para os lados de Campo Mourão, no Paraná. Alguma parentagem ficou, e com ela a ligação com a terra e com as pessoas. Volta e meia havia algum casamento, batizado ou velório.
Na época receberam um telegrama que comunicava: “tio morreu”. Como a viagem é custosa foi apenas um dos sobrinhos, com dinheiro contato para a travessia do Paraná. Os quase 600 quilômetros até chegar lá foi acompanhado de um pacote de bolacha Maria e uma garrafinha com água que ele encheu na torneira de casa.
Chegando lá encontrou já o velório pronto. O tio dentro do caixão guardado por quatro velas, a tia em prantos ao lado do caixão. Deu os pêsames e seguiu cumprimentando os demais presentes. Bom momento para rever os parentes e amigos de infância.
Uns 15 minutos após sua chegada se juntou ao resto dos amigos na cozinha onde a conversa estava boa e corria a cuia de mão em mão, uma cachacinha e já lhe deram um pratão de brodo para esquentar e alimentá-lo, já que a viagem foi longa. Nunca comeu aquele caldo com tanta vontade acompanhado de pão e biscoitos feitos no forno a lenha.
Conversa vai e conversa vem, a parte melhor do velório era o proseamento com o pessoal. Depois do guardamento do tio, um sobrinho o chamou num canto e pediu ajuda para o pagamento das despesas. Tudo deu sete mil. Cada família juntou o que tinham e o que não tinham e deram para a tia o dinheiro. Meu amigo secou a poupança Bamerindus que ele guardava para uma necessidade.
A tia foi correta. - Meus filhos sobrou dinheiro. A despesa deu 6 mil. Sobrou ainda dinheiro.
Não tiveram dúvida, já que o estrago nas contas havia sido feito resolveram aproveitar as sobras para um churrasco. No dia seguinte já teve carne, linguicinha, pão com alho, cebola assada e nos três dias que ficou lá foi isso. Voltou para Joinville e os anos se passaram.
Recentemente foi surpreendido por uma revelação inusitada. A tia, já moderninha, ganhou um celular, no Dia das Mães, e aprendeu a fazer chamadas de vídeo. Tocou o telefone de meu amigo, olhou a tela e era a foto da tia. Imaginou ser golpe ou trabalho de hacker. Resolveu atender.
Bom dia meu filho, a tia precisa te falar a verdade! Ele ficou meio desconfiado mas ouviu a tia ao vivo.
Você lembra quando o tio morreu e vocês fizeram a “vaquinha” para pagar o enterro?
Sim, tia, lembro e até fizemos churrasco com o que sobrou.
Pois é…esta verdade me atormenta e confessei ao Padre Zeka. Ele me falou para falar a verdade que vai me libertar.
Mas o que está lhe tirando o sossego?
É que o custo do enterro todinho foi pago pela Prefeitura e eu fiquei com o dinheiro. Fiz o muro da casa. Vim pedir perdão pela mentira que já está perto de 30 anos. Confessou a tia com envergonhamento da atitude.
O sobrinho deu uma gargalhada, abraçou a tia e acalmou a alma da senhora.
A gente sabia, tia. Mas nem precisava prestar contas e revelar a verdade. Como penitência pelo pecado reze um terço e se sobrar dinheiro mande pintar o muro.
A tia tirou o terço da bolsa e fez questão de mostrar, através do vídeo. Puxou a reza e meu amigo teve de rezar junto on-line. Deveria não ter atendido. Deixou clientes esperando até o fim da reza.
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