domingo, 15 de junho de 2025

O DIA DOS NAMORADOS E O ENCONTRO PROMISSOR DO APLICATIVO

 Na sexta-feira, 13, após a quinta de Dia dos Namorados conversei com uma colega que estava soltando fogo pelas ventas. Mascando freio desde cedo e dando coice na cola. Perguntei o que houve, se a noite não havia sido boa e qual o motivo de estar batendo portas desde cedo.


  • Não te interessa, me deixa, seu metido. Respondeu ela rispidamente.  Ouvi quieto e deixei a raiva consumir  tal criatura. 


Na tarde anterior comprou umas roupinhas, foi ao “instituto de beleza” porque teria uma noite memorável com um pretendente muito melhor do que os anteriores. Ela andava se exibindo que havia conhecido um empresário do transporte, muito bem sucedido e que os pés de chinelo do trabalho não tinham chance com ela e muito menos os vizinhos que desfilam de chevete velho e CG com escapamento aberto. Até torcemos para “zoiuda” se dar bem.


Passou uma parte do dia até que ela desabafou com uma das colegas e caiu no choro e depois nas risadas. 


  • Me arrumei, gastei metade do meu salário, comprei vestido novo, lingerie, sapato novinho em folha, cabelo, unhas e um perfume novo. Eu deveria saber que tinha alguma coisa errada. Ele marcou de me encontrar no rodízio de pizza num bairro afastado. Cheguei lá a conversa estava agradável. Ele era atencioso e até esqueci o local. Paguei carro de aplicativo para ir até lá naquele fim de mundo. Mas tudo bem… 


  • Mas como foi o resto da noite? perguntou a colega. Era tudo aquilo que dizia? Era um empresário de transportes, de logística com propriedades?


  • Nem me lembra disso. De certa forma sim. Ele tem uma camioneta pampa que faz fretes e tem um apartamento do Minha Casa Minha Vida no Rubia Kaiser, lá no final do Jardim Paraíso. Só descobri isso quando saímos da pizzaria, cuja conta ele deixou pendurada para acertar depois. Fomos na casa dele, afinal eu não iria perder a noite e a “boniteza”. Chegando lá sentamos no sofá coberto por um lençol para esconder a velhice e o desgaste do móvel. E a gota d`água foi quando veio uma jovem mocinha em trajes menores, que saiu do quarto em direção ao banheiro. Dei um pulo e perguntei quem era. Já me imaginei sequestrada e morta por um casal psicopata. Ele explicou que alugava um dos quartos para a tal moça. Mas sai correndo porta afora, apavorada, quando o sujeito voltou da cozinha com uma garrafa de vinho Vô Luiz adocicado, dois copos de cristal cica e veio em minha direção completamente pelado. Não tive dúvidas, peguei minha bolsa e sai correndo. Chamei um Uber e fui chorar em casa.


  • Amiga, mas que tragédia sua noite de encontro. Comentou a amiga.


  • Tragédia mesmo foi eu quebrar minha unha ao abrir a porta e o salto do sapato que caiu ao correr pela escada. E nem paguei a primeira prestação.


  • Sorte minha que fiquei de moleton, enrolada no edredom assistindo Amor sem Fim com Brooke Shields.


  • Fez bem, concordou.


  •  Vamos tomar um café e esquecer o empresário de logística. Quem sabe no ano que vem você tenha mais sorte. 


As duas continuam na copa, bebendo em silêncio, café preto sem açúcar.


sábado, 7 de junho de 2025

QUEBRANDO GEADA

Por volta das cinco horas da manhã levantei devagar porque as juntas doem com o frio. Sentei na beirada da cama, por alguns segundos pensei no que faria. Fui até a janela e dei uma bombeada. Cerração forte, geada branqueando tudo lá fora. Abri uma fresta da janela para sentir a temperatura. Veio uma golfada de vento gelado que me obrigou a fechar rapidamente.


Segui para a cozinha, abri a portinha do fogão à lenha e o braseiro do dia anterior ainda estava  vivo, sob as cinzas. Abri a caixa da lenha, coloquei alguns gravetos secos e mais lenha para reavivar, um assoprão e voltou a chama forte, queimando  os pedaços de lenha, aquecendo a chapa do fogão, a chaleira de ferro com água e principalmente a alma deste gaudério. A chaminé não estava puxando bem. É só dar uma vassourada na chaminé para soltar o picumã. Pronto! Fumaça para fora e calor aqui dentro.


Preparo a cuia do mate com dois raminhos de carqueja. Faz bem para o interior do vivente. Pinhão e amendoim espalhados na chapa do fogão aquecem para acompanhar o chimarrão. Liguei o rádio que está sempre sintonizado na estação que toca música nativista e galponeira. Ouço Adair de Freitas, cantando De Já Hoje. Logo em seguida José Cláudio Machado com Previsão de Vaqueano, tocou também Tropa de Osso com Luiz Carlos Borges e Veterano em belíssima cantoria de Leopoldo Rassier.


Observo a geada derretendo, os raios do sol no horizonte que aparecem tímidos, clareando a vida. Mas hoje não é dia de lida. É dia de matear, prosear e quem sabe dar de costados num balcão de pulperia para tirar a poeira da garganta com um liso “daquela que mata o guarda”, com diz os versos da música Recursos da 28. Afinal, com a guaiaca recheada não tem china pobre, nem garçom de cara feia e muito menos gigolô sem cigarros. 


O mate está bom, de uma erva cancheada lá de Rio Poço, interior de Erechim. Sirvo mais uma cuiam, abro a porta e sinto o vento gelado igual à assombração em noite de inverno. Sigo andando pelo pátio quebrando gelo com as alpargatas. A passarinhada ainda não se manifestou.  As saracuras quietas e os quero-quero nem um pio.


Buenas, vou evitar a friagem no lombo. Não quero ficar com a boca torta e nem pegar pneumonia, que anda levando a velharada para o Patrão Véio lá de cima. Daqui a pouco preparo uma gemada bem batida e misturo no leite com uma folha de laranjeira. Um santo remédio para iniciar a lida, dar ânimo e esquecer da amada que se foi na garupa de outro.







domingo, 1 de junho de 2025

A VERDADE SOBRE A PRESTAÇÃO DE CONTAS DO ENTERRO DO TIO

 



Andando pela feira do livro de Joinville encontrei um amigo de muito tempo. Conversamos sobre livros e a prosa rumou para os causos. Bom de conversa me contou o que aconteceu com ele há mais de um quarto de século


Ainda jovem veio com toda a família e algumas trouxas tentar a vida em Joinville. Deixaram São João do Ivaí, lá para os lados de Campo Mourão, no Paraná. Alguma parentagem ficou, e com ela a ligação com a terra e com as pessoas. Volta e meia havia algum casamento, batizado ou velório.


Na época receberam um telegrama que comunicava: “tio morreu”. Como a viagem é custosa foi apenas um dos sobrinhos, com dinheiro contato para a travessia do Paraná. Os quase 600 quilômetros até chegar lá foi acompanhado de um pacote de bolacha Maria e uma garrafinha com água que ele encheu na torneira de casa.


Chegando lá encontrou já o velório pronto. O tio dentro do caixão guardado por quatro velas, a tia em prantos ao lado do caixão. Deu os pêsames e seguiu cumprimentando os demais presentes. Bom momento para rever os parentes e amigos de infância.


Uns 15 minutos após sua chegada se juntou ao resto dos amigos na cozinha onde a conversa estava boa e corria a cuia de mão em mão, uma cachacinha e já lhe deram um pratão de brodo para esquentar e alimentá-lo, já que a viagem foi longa. Nunca comeu aquele caldo com tanta vontade acompanhado de pão e biscoitos feitos no forno a lenha.


Conversa vai e conversa vem, a parte melhor do velório era o proseamento com o pessoal. Depois do guardamento do tio, um sobrinho o chamou num canto e pediu ajuda para o pagamento das despesas. Tudo deu sete mil. Cada família juntou o que tinham e o que não tinham e deram para a tia o dinheiro. Meu amigo secou a poupança Bamerindus que ele guardava para uma necessidade. 



A tia foi correta. - Meus filhos sobrou dinheiro. A despesa deu 6 mil. Sobrou ainda dinheiro.


Não tiveram dúvida, já que o estrago nas contas havia sido feito resolveram aproveitar as sobras  para um churrasco. No dia seguinte já teve carne, linguicinha, pão com alho, cebola assada e nos três dias que ficou lá foi isso. Voltou para Joinville e os anos se passaram.


Recentemente foi surpreendido por uma revelação inusitada. A tia, já moderninha, ganhou um celular, no Dia das Mães, e aprendeu a fazer chamadas de vídeo. Tocou o telefone de meu amigo, olhou a tela e  era a foto da tia. Imaginou ser golpe ou trabalho de hacker. Resolveu atender.


  • Bom dia meu filho, a tia precisa te falar a verdade! Ele ficou meio desconfiado mas ouviu a tia ao vivo.

  • Você lembra quando o tio morreu e vocês fizeram a “vaquinha” para pagar o enterro?

  • Sim, tia, lembro e até fizemos churrasco com o que sobrou.

  • Pois é…esta verdade me atormenta e confessei ao Padre Zeka. Ele me falou para falar a verdade que vai me libertar.

  • Mas o que está lhe tirando o sossego?

  • É que o custo do enterro todinho foi pago pela Prefeitura e eu fiquei com o dinheiro. Fiz o muro da casa. Vim pedir perdão pela mentira que já está perto de 30 anos. Confessou a tia com envergonhamento da atitude.


O sobrinho deu uma gargalhada, abraçou a tia e acalmou a alma da senhora.


  • A gente sabia, tia. Mas nem precisava prestar contas e revelar a verdade. Como penitência pelo pecado reze um terço e se sobrar dinheiro mande pintar o muro. 


A tia tirou o terço da bolsa e fez questão de mostrar, através do vídeo. Puxou a reza e meu amigo teve de rezar junto on-line. Deveria não ter atendido. Deixou clientes esperando até o fim da reza.




sábado, 17 de maio de 2025

A CEGONHA VAI CHEGAR

 

Todos os dias as duas irmãs brincavam no pátio da casa, com a esperança e a inocência de que a cegonha chegasse logo. Afinal a mãe contou a novidade de que chegaria mais um bebê para se juntar aos quatro irmãos já nascidos, sendo três garotas e um mocinho mais velho. 


Sentavam em uma pedra grande na frente da casa, no meio da floresta, pois viviam em lugar ermo que pertencia a uma serraria que desmatava pinheirais e madeiras de lei. Mas nada disso importava. Os céus do sul, azul da cor do paraíso, renovava todos os dias a esperança da chegada da cegonha com a prometida criança, que elas deveriam ajudar a cuidar. Seria uma novidade e um entretimento.


Logo após o meio-dia de um sábado presenciaram a  movimentação diferente na casa e uns grunhidos como se fosse filhotinho de cachorro. As duas ficaram de longe, curiosas com o acontecido e espiavam para dentro da casa. Nada de alguém sair e dar conhecimento do ocorrido. 


Olhavam para o céu, espiavam para dentro da casa, subiam na pedra,desciam da pedra e nada da tal cegonha com um pano branco e uma criança enrolada, segurando pelo bico. A inocência as fazia acreditar.


Um pouco depois uma comadre da vizinhança surge com uma caixa de sapato e um ser magro, feio e doente. De tão pequeno e miúdo nem tinha como segurar nos braços. Era preciso uma caixa de sapatos para segurar o vivente, que pelo conhecimento,não vingaria. Não passaria daquela noite.


Olharam uma para a outra. Olharam para o céu e perguntaram:


  • E a cegonha?


  • Entrou pela janela e vocês não viram. Agora juntem lenha, busquem água no poço e esquentem mais água para dar banho neste bugrinho. Explicou a comadre e parteira da vizinhança.

 

A tal da cegonha com o bebê no bico não apareceu, mas o vivente sobreviveu e está gordo, bonito e lustroso que dá gosto de olhar. O fato é verídico, verdadeiro, com testemunhas e ocorreu em 16 de maio de 1964, no meio do mato, lá pelos lados de  Planalto/Alpestre/Faxinalzinho (Votouro).


E elas continuaram acreditando na cegonha? Sim, até ficarem mocinhas.


crédito imagem: Sempre Família




domingo, 11 de maio de 2025

EU VOLTO AMANHÃ!

  Neste domingo ele acordou cedo e foi logo encontrá-la. Entrou pé ante pé no quarto, sem fazer barulho, colocou as flores que trouxe em um vaso, bem na penteadeira. Eram rosas amarelas lindas, as preferidas dela.


Sentou ao lado da cama,  deu um beijo, segurou sua mão, fez carinhos em seu rosto e ficou olhando para ela longamente, O palpitar do coração ele sentia nas mãos que ele continuava segurando, a vida ele sentia no respirar pausado. 


Em seus pensamentos ele recordou cada momento bom e ruim, que ajudaram a construir aquela união. Tempos de dificuldades com muito amor, de necessidades com carinho, de perdas com esperança e assim foi a vida com amizade, companheirismo, justiça, admiração e principalmente amor.


Por longos minutos ele ficou ali observando, acariciando, admirando. Apenas as lágrimas desciam silenciosas de seus rosto. Limpou a face com a ponta do lençol. Levantou, novamente levou as mãos no rosto dela e acariciou, ajeitou o cabelo, beijou-a na testa.


Ele sabe que ela nunca ouvirá ou que voltará.


    -Mãe, hoje é seu dia, fica com Deus, eu volto amanhã. Disse o filho e saiu do quarto do hospital. 

Ele não viu, mas uma gota de lágrima saiu dos olhos da senhora e um pequeno esboço de sorriso. Amanhã ela estará esperando pelo seu filho, com todo o amor que pode haver dentro de um coração de mãe.


quarta-feira, 30 de abril de 2025

O DICO SE FOI



Fomos criados juntos pela avó Elvira e pelos tios Lima e Lili que nos adotaram.  Vivemos na mesma casa até que a idade adulta nos separou para cada um seguir seus caminhos, mas sempre próximos por visitas, telefonemas e nos últimos anos pela internet.


Ficam ótimas lembranças de fraternidade, amizade, carinho, respeito, admiração e amor. Quando  ele foi servir o Exército eu estava lá com toda família para despedida na estação ferroviária rumo a Alegrete, onde deveria se apresentar no quartel designado. E dez meses depois nova recepção pelo retorno. Era uma festa grande. E com a volta veio um presente que guardei por anos, um carrinho de ferro, que abria o porta malas e as portas laterais. Um luxo. Era meu tesouro.


Eu era um chato e enjoado. Ele e o pai gostavam de ver jogos do Ypiranga. Me levavam e eu incomodava o tempo. Queria água, cachorro quente, pipoca, refrigerante e ir ao banheiro. Ele ficava correndo para lá e para cá comigo perdendo o melhor do futebol, principalmente se a batalha era contra o Atlântico, daí sim o incômodo era maior.


Sempre cavalheiro, calmo, solicito. Nunca o vi se alterar ou falar em tom ríspido com alguém. Foi um bom filho, bom pai, bom  marido, bom irmão. Sempre foi uma pessoa confiável, justa e admirável.


Sua vida chegou ao fim aos 74 anos.Estava sofrendo e não podemos querer manter o sofrimento de alguém só para ficar mais dias ou mais horas conosco. 


Ficam as lembranças de passeios, de churrascos, de festas, de alegrias e também de momentos difíceis que superamos ao longo de nossas vidas. 


Que Deus guarde sua alma. 


Meu irmão Saides se foi nesta terça-feira dia 29 de abril, pela manhã. Certamente está ao lado do nosso pai o seu Lima, com  quem ele conversava horas em silêncio, e junto da mãe Lili e da vó Elvira que o tinha o “Dico” como seu preferido. Estão em boa companhia, certamente em uma roda de chimarrão.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

CONVERSAS ÍNTIMAS DENTRO DO ÔNIBUS

Viajar de ônibus pode ser divertido e ouvir as conversas nos revela as intimidades e segredos que as pessoas falam, confessam, sem se preocupar com os passageiros ao lado, já que são estranhos e certamente nunca mais vão se ver. Sentei na minha poltrona, fechei a cara de bull-dog para que ninguém me cumprimentasse e nem puxasse conversa, mas os sem noção usam seus aparelhinhos no viva-voz. Não sei qual o prazer sentem em obrigar todos a ouvir o que estão falando com as outras pessoas do outro lado da linha.


  • Você é um jaguara, nunca pensei que você pensasse isto de mim, que fosse agir deste modo. O que você pensa que eu sou? Acha que vai ficar assim, que me usa e joga fora? Vou me cobrar seu cachorro. A baixinha estava furiosa e sussurrava com ódio ao homem do outro lado da linha que só disse - Vai te enxergar encardida.


No banco de trás um gorducho avantajado, parecia estar com voz embargada e lamentava a separação. 


  • Ainda gosto de ti. Não paro de pensar. Pensa melhor, e meu peito doi de ficar longe das crianças. Volto em alguns dias e vamos conversar de novo. Do outro lado, ela fala e ele com o viva-voz ligado permitindo que outros passageiros ouçam a prosa, mesmo sussurrando. Ela estava  escutando um desses insuportáveis sucessos sertanejos e mandou uma direta pra ele:  - Me esquece e não liga mais e se não mandar o PIX da pensão te boto na cadeia. Ao fundo ele ouviu uma voz de homem que gritou: - Larga essa merda de celular e volta aqui para a brincadeira! Só ouvi soluços de um choro preso no peito.

Uma senhora com certa idade avançada. Grita a pleno pulmões:


  • Fia, a mãe tá saindo, me espere na “radiovial” (certamente queria dizer rodoviária). A filha responde que está tudo bem e que a leitoa deu cria e que quando ela chegar vai conhecer os “netinhos”. A senhora feliz encerrou a chamada de vídeo com um “Que Deus abençõe os bichinhos”.


Na primeira fila do double deck no andar de cima, que é uma vitrine, um homem de meia idade, gordão, estava bem instalado, quando chega um outro com três filhos, sacolas, pacotes de biscoitos e o salgadinho fedorento de queijo que quando abre não se sabe se é mau cheiro de desodorante vencido, chulé ou falta de banho nas partes baixas. Educadamente, ele disse ao pai das crianças que cederia o lugar para que pudessem ver a paisagem durante a viagem e fugiu dali, chegaria ao final da viagem com um cheiro nada agradável e tapado e migalhas de salgadinhos.


Bom mesmo é quando o motorista sobe as escadas, acorda todos com a tradicional chamada: Meia hora de parada para o café.