sábado, 30 de janeiro de 2021

Tá bom para o senhor

 Tá bom  para o senhor



Neste domingo ele estaria completando 63 anos. Fomos amigos e trabalhamos juntos por 27 anos. Parceria interrompida por sua morte prematura em 2019.  Tinha muito tempo pela frente se não tivesse sido abatido por uma doença terrível que ainda não há cura.

Marco Tebaldi foi um excelente prefeito. Ninguém fez tanto quanto ele por Joinville. Desde o atendimento aos mais necessitados com a urbanização de áreas de invasão, construção de conjunto habitacionais, criação da Águas de Joinville, Arena, Expocentro, dezenas de CEIS e novas escolas e quase 500 quilômetros de pavimentação. Mas tudo isso são números e obrigação de todo governante.  Seu diferencial era a humanidade. Sempre tentava se colocar no lugar do outro, atendia e entendia as necessidades  dos outros porque também veio de classe trabalhadora.

Agia, na  maioria das vezes, com bom senso e bom humor. Às vezes se emburrava e ficava beiçudo. E vivenciamos muitas situações nestes anos todos. Quando estava surfando na popularidade com recordes de pavimentação. Uma tarde resolvemos testar a aprovação popular. Passamos na rua Santa Catarina, na subidinha dos Krüger antes do km 4, pegamos a São Paulo que ele fez a abertura do trevo do Boehmerwald até a rua Barra Velha e passamos na Monsenhor Gercino que estavam sendo asfaltadas. Pessoal abanava e agradecia, Gritavam dos carros:

  • É isso aí prefeito. Tá ficando bom.

Animado seguimos por outros bairros. Fomos até o Mildau onde a estrada foi asfaltada beneficiando centenas de famílias que moram lá pra dentro e depois passamos no Rio Lindo próximo a fábrica da Minâncora. Entramos no loteamento numa tarde de muito calor.  Era de derreter asfalto. Mais adiante vimos um casal de idosos em frente a casa no asfalto novo, cultivando o jardim.

Animado com os elogios anteriores mandou o motorista dar uma parada. Abriu a janela da camioneta e puxou conversa:

  • Opa! Gostaram do asfalto? Ficou bom? Está tudo bem com vocês? Iniciou  a prosa

  • Ficou bom sim - respondeu a senhora pendurando mudas de orquídeas numa palmeira. Uma lilás e outra branca com detalhes em amarelo e mais abaixo uma pequena muda de bromélia. E logo em seguida o marido dela um senhor alemão de uns 80 anos, com cara de poucos amigos lascou:

  • Tá bom pro senhor sentado aí no sofá com ar geladinho do auto. Eu  limpando o capim  do terreno não tá nada bom.

Só restou fechar a vidraça do carro e seguir a vistoria. 

Enfim, a vida pública é assim mesmo. E no conceito do ex-prefeito Nilson Bender a administração pública é uma máquina de moer homens. Tebaldi foi um sujeito que olhou pelos mais humildes e muitos anos coordenou a urbanização do mangue para que milhares tenham hoje um lugar decente e limpo para morar. Foi ótimo prefeito, porém muito injustiçado por línguas maldosas até mesmo de gente próxima. Deus o levou, mas se aqui estivesse, neste domingo teria uma costelada de fogo de chão, uma paleta de ovelha, música gaúcha e diversão. Era assim, Sujeito simples, acessível e que gostava das pessoas. 

Vamos comemorar em vez de chorar. Bom domingo para todos nós e feliz aniversário ao Marco Tebaldi.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Conheço o pau pelo cheiro!

 Conheço o pau pelo cheiro!


Te acalma, Não loqueia que vou explicar. Este causo começa há mais de 40 anos no Guanabara, na Ilha do Sapo, onde ficava o Bar do Beato próximo a Escola Municipal Anna Maria Harger, que foi considerada  a melhor escola pública do Brasil, quando Luiz Henrique era prefeito.

Depois de sumir uns anos, o piazote voltou, chegou no bar e o dono se espantou.

  • Ué onde andava?

  • Estava estudando. Me formei e agora estou trabalhando. Me dá uma gelada e uma cachacinha.

  • Mas estudou para ser o que? Questionou o bolicheiro.

  • Engenheiro Florestal - respondeu

  • Você tem motoserra? Faz poda?

  • Não, nada disso, é engenharia que trata de manejo florestal, reflorestamento, licenciamento ambiental, inventário florestal, pesquisas de fauna e flora. Coisa complicada- explicou

  • Tá bom, concluiu concordando o dono do bar, onde o engenheiro, quando cidadão do Guanabara frequentava. 

Gostava de matar aula no Anna Maria para ver o carteado, que futuramente seria útil no orçamento doméstico e também gostava de sinuca bebericando uma branquinha vinda de um alambique de São João do Itaperiú.

A esta altura os habituais frequentadores, malandragem do Guanabara, Itaum, alguns do Fátima e dois velhos do Bucarein se achegaram e lembraram do sujeito e já desafiaram.

  • Conhece madeira é? quero ver..

  • Conheço o pau pelo cheiro! Se exibiu.

  • Essa quero ver - gritou um mais exaltado em tom desafiador e já com três cervejas na cachola. Em seguida a gambazera toda combinou que no final da tarde cada um traria um pedaço de madeira para testar os conhecimentos do engenheiro de madeireira.

Lá pelas seis e meia da tarde começam a chegar os conhecidos, cada qual com uma amostra para o desmascaramento do topetudo. Imagina um piazote metido desses querer se agigantar. Reunidos meia dúzia em volta do balcão gasto pelos cotovelos e pelos joelhos que firmavam na parede pressionados pela banqueta onde sentavam para bebericar. E na parede atrás do balcão, várias garrafas de uísque barato, conhaque, bitter  bonnekamp, outra cheia de cachaça com formiga saúva dentro que é bom para circulação e mordida de bichos em geral. E quem sentava nas banquetas ficava sempre de cara com uma “folhinha” calendário antigo, já amarelado pelo tempo do Luiz Henrique, quando havia sido deputado estadual. “Fez a ponte do Trabalhador, quando se elegeu prefeito”, alguém sempre citava. Era quase um oráculo para quem colocou Guanabara no mapa.

O especialista já estava lá. Pediu uma porção de linguiça frita, sem questionar a procedência. Uma branquinha daquela que mata o guarda e uma Antarctica. Iria começar o teste:

Primeiro item um tamanco feito em Rio dos Cedros;

  • Fácil. Canela-branca, que já está em extinção. Só se encontrava no alto vale. Se olharam e desafiaram. Vamos ver esta amostra.

Pegou o pedaço de madeira, olhou cheirou, virou e deu mais uma cafungada. E deu o veredito:

  • Lâmina de Jacarandá, usada nos anos 60 nos móveis finos da Cimo de Rio Negrinho. Aí a platéia começou a ficar preocupada pois se ele acertasse tudo teriam de pagar um engradado de Antarctica e a porção de linguiça de procedência duvidosa.

E veio a terceira amostra. Também muito fácil

  • Mogno vindo do sul do Pará e foi utilizado em fino móvel de luxo. Pelo perfume era de uma penteadeira de uma casa de tolerância. Acertou.

Quinta amostra uma lasca de madeira bem encharcada, mau cheirosa e com pontinhos de fungos.

  • Com certeza Carvalho. Cortado há 70 anos no Mato Grosso, virou tonel de vinícola e a vida toda fermentou vinho tinto com uva Itália e pelos pontos de zinabre da oxidação também foi usado para vinagre. A esta altura todos estavam fazendo contas do prejuízo em rachar a caixa de cerveja. Afinal não ia ficar barato. Até que chegou outro e fez um último desafio:

  • Você identifica mais uma amostra. Se acertar ganha a cerveja, a linguiça frita de procedência incerta, a cachacinha e ainda apostamos um carteado. Aceito o desafio, trouxeram a última e decisiva amostra.

  • Vocês estão querendo perder dinheiro mesmo. Podem ir se coçando, disse rindo o papudo.

  • É brincadeira né? Esta amostra é Handroanthus Serratifolius, coberta por secreção de cannis guanabariensis sofrendo de coprofagia. Silêncio total no boteco. Todos se olharam, sentiram que o piazote ia levar os pilas deles.

  • Você é muito papudo. Inventa palavreado difícil para nos enrolar como fazia no jogo de cartas. Desafiou um mais exaltado. E tranquilamente o doutor das árvores traduziu.

  • É um galho de Ipê Amarelo, que está ali na frente melado com merda de de cachorro que comeu o próprio cocô. Lambeu todo o graveto mas deixou vestígios. Como eu disse o Pau conheço pelo cheiro!

Dado o laudo só restou pagar a conta

  • Perdemos! o piá tem repertório. Foram para a mesa do baralho perder mais uma mão. 



quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Que pozinho é esse?

 Que pozinho é esse?


Há dez anos o Marco Tebaldi, erechinense que veio ser engenheiro sanitarista na Prefeitura de Joinville,  e que com seu trabalho na urbanização  virou secretário de Habitação, vereador, vice-prefeito, prefeito duas vezes, deputado federal por dois mandatos e Secretário Estadual de Educação estava visitando escolas do extremo oeste.

Eu trabalhava com ele na Secretaria de Estado da Educação como assessor de comunicação por Toda Santa Catarina. Pernoitamos em Dionísio Cerqueira e no dia seguinte iríamos para  Guarujá, São José do Cedro, Guaraciaba e São Miguel do Oeste, onde  o Sadi Antonio Erlo estava esperando com um cuia de chimarrão, duas garrafas térmicas para iniciar o dia.

Saímos de Dionísio cedinho após o café da manhã e seguimos pela 163. Mas logo em seguida, antes de Guarujá encontramos uma barreira policial. Na época, em 2011, estavam fiscalizando contrabando, assaltos, roubos de cargas e tráfico de drogas. Polícia Federal, Exército, Polícia Rodoviária Federal e Receita Federal. Grupo forte, armado e até com blindados. Imaginamos que mandariam passar, mas um soldado do Exército fez sinal para encostar.

Soldado chegou perto no vidro do motorista e o condutor iria dar um carteiraço:

  • Bom dia estou com o …...Rapidamente Tebaldi cutuca o motorista e manda ficar quieto. Nada de carteiraço e  nem dizer quem era. A fiscalização poderia ser mais minuciosa.

  • Documentos e CNH - solicitou o soldado. 

Apresentada documentação pediu que abrisse o porta malas da camionete. O motorista desceu, abriu o porta malas e o soldado portando uma metralhadora mexeu nas malas, pediu tirasse toda a bagagem. Viu uma bolsa dessas de brinde da Citroen e quando abriu o zíper deu um salto para trás.

  • Tenente, delegado! Chamou reforço. De quem é esta bolsa? Questionou.

  • É do jornalista que está junto - respondeu.

  • Manda vir aqui- ordenou

Ouvi a conversa, meio sonolento desci do carro, me espreguicei e fui ver o que queriam

  • Qual o problema? Qual é a questã? Perguntei

  • Esta bolsa é sua?  Respondi que sim. O que são estes saquinhos plásticos amarrados com elásticos? indagou.

Dentro da bolsa havia uns dez pacotinhos, que aos olhos de mente maligna do soldado fiscalizador poderiam parecer  suspeitos.  O grupo aumentou, junto ao soldado com a submetralhadora Taurus, veio  mais um agente da PF com pistola Glock G 17, o delegado e o fiscal da Receita mais atrás. A esta altura os curiosos iam se aglomerando, Queriam ver a desgraça de alguém. Mandaram abrir com cautela. Comecei  a abrir e expor o conteúdo da minha bagagem.

Primeiro saquinho: maços de  plantas. Desconfiados do que era expliquei. É carqueja, cidreira e hortelã para meu chá e para misturar no chimarrão.

Segundo pacote, desamarrei e saltou um pó verde. Duas medidas de erva-mate para dois dias de mate. Ufa!

Terceiro pacote: Xampu para o cabelo e um sabonete dermatológico, uma latinha de pomada Minâncora, fabricada em Joinville e um cortador de unhas.

Quarto saquinho. Remédios para pressão, para o coração, diurético, para o colesterol,  AS infantil para afinar o sangue, analgésico, curativos e um vidro de Camomila Composta do Laboratório Catarinense para ajudar na digestão num eventual excesso de churrascos, o que é comum naquela região.

Quinto saquinho: banana, maçã e pera. Duas bergamotas da costa do rio Uruguai.

Sexto saquinho: barras de cereais, mandolate e meio pé de moleque e uma rapadura de Santo Antônio da Patrulha que eu havia encomendado.

Sétimo saquinho: sobras de pinhão que havíamos comprado na estrada, lá perto de Otacílio Costa.

Oitavo saquinho: cuecas e meias usadas que estava levando no retorno da viagem para lavar;

Nesta altura o Tebaldi, que ficou dentro do carro, estava com um beiço  que dava para  lustrar o sapato. Agenda atrasada e o mate esfriando lá em São Miguel. Seguimos os saquinhos.

Nono saquinho:creme dental, escova de dentes e fio dental

Décimo saquinho: tirei o elástico, abri o plástico e um pó branco se espalhou. Pularam para trás, metralhadora apontada, pistola em punho  e chamaram mais gente.

  • Que pozinho é esse? Gritou o Federal.

  • É um remedinho que minha avó Elvira usava. Serve como remédio, cura frieira e bicheira de animais, dá para usar como desodorante, detergente se misturar com vinagre, mistura de bolo, sonífero se tomar antes de dormir, emagrecedor, bom para arear panelas, tirar manchas de roupas e desentupir banheiros e canos em geral.

  • Deixa de ser besta rapaz!

  • Verdade mistura com limão e água. É bicarbonato de sódio e faz bem para a saúde, um anti-ácido.

  • Traga a contraprova - ordenou o policial

  • Colocaram uma colherada do meu pozinho num tubo com um líquido e sacudiram.

  • Se ficar azul você vai preso. Ameaçou.

Sacudiram o tubinho e a cor começou a mudar..

Amarelou. Ufa.  Liberados, arrumei meus saquinhos, fechei tudo de novo, coloquei na bolsa e seguimos viagem. O beiço do Tebaldi?  Foi beiçudo até São Miguel. Só desfez a carranca com uma cuia de mate de erva bem verdinha e água quente e uma boa conversa na roda de chimarrão com um pratinho de balas de hortelã e bolo de milho.

Aahh. Continuo organizado  e acondicionando tudo em saquinhos para não espalhar na mala e sujar tudo em caso imprevistos.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Un regalo de Dios

 Un regalo de Dios




Reconstituído da pauta “molezinha” no Planalto Norte, o Zé Gayoso chegou ao nosso escritório, que ficava ali na subida da rua Emílio Blum , lateral da Hercilio Luz, quase ao lado da sede da Casan, em Fkorianópolis e começou a distribuir os roteiros de viagem. Fulano para cá, cicrano pra lá e preciso de um que faça fotos e faça o roteiro das senhoras no extremo oeste. Adivinhem para quem caiu a missão. Pois é. Sempre gostei do Oeste catarinense onde o povo é hospitaleiro, amigo, recebem as visitas muito sempre com uma cuia de chimarrão, balinhas e na hora da comida não há miséria. Mesa farta. 

Vamos lá.Coisa tranquila 855 km de estrada cortando as terras Por Toda Santa Catarina. No mínimo 12 horas sovando dentro de um carro. O corpinho chegava moído, só querendo um bom chuveiro quente, sopa leve, chá de cidreira ou camomila  e cama. No dia seguinte o roteiro por Maravilha, São Lourenço do Oeste, São Miguel do Oeste e terminaria em Dionísio Cerqueira.

Mas chegando em Dionísio, a tentação de cruzar a aduana e comer uns alfajores, comprar dulce de leche e uns vinhos era muito grande.

Me aventurei. Cheguei na aduana e a polícia argentina mandou parar. Perguntaram onde iria , quando voltaria, revistaram o carro e mandaram voltar para preencher la tarjeta.

  • De donde viene y a donde va? - questionou o policial argentino

  • Vengo de Florianópolis y solo quiero dar un paseo, comprar algunos regalos y ya vuelvo, respondi

  • Regresa, estaciona y llena el formulario y luego puedes asegurar el viaje- orientou.

  • Si señor, gracias- respondi e com a identidade preenchi e retornei.

Adentrei a República Argentina, em Bernardo de Irigoyen. Segui adelante e fui experimentando os doces, visitando lojas de vinhos, olhando e  percebendo as diferenças de arquitetura e a pobreza do lado argentino. Caminhando pela rua  Andrés Guacurari já se encontra mercados, lojas de perfume, de bebidas e doces. É só encher as sacolas. Aceitam reais, pesos, guaranis, dólares, euros. Se quiser trocar por um leitão gordo ou umas galinhas, também tem negócio.

Comprei alguns alfajores e doces de leite e também resolvi comprar uma caixa de bom vinho. Tudo acondicionado no porta-malas com cuidado de não exceder a cota permitida pela Receita Federal.

Tudo ia bem já me preparando para voltar ao lado brasileiro, Tudo legalizado nada de problemas, mas eis que veio uma voz do além me lembrando de um comentário feito pelo Grando em São Miguel do Oeste no dia anterior: - Não passem pro lado de lá para fazer compras. Se a turma do 11 desconfiar  vão fotografar e fazer um carnaval.

Daí olhei para a caixa de vinhos com dor no coração. E imaginei eu tentando atravessar, com a poliçada argentina abrindo , vistoriando e se alguém do 11 estivesse ali para flagrar. Quais manchetes poderiam sair: “LHS manda contrabandear vinho”; “LHS prefere vinhos argentinos em detrimento dos catarinenses da Serra”; “Equipe de campanha faz contrabando”, “Estado perde com evasão de divisas”. Na hora deixei de lado meu desejo de trazer a caixa de Catena Zapata, de uvas cultivadas em Mendoza.

Sentei dentro do carro, olhando a aduana, abri uma garrafa bebi no bico mesmo alguns goles para degustar com alguns alfajores. Meti os dedos dentro o pote de doce de leite e  apreciei demoradamente o doce derreter na boca e adoçar a alma sofrida com a  situação que viria a seguir. Peguei a caixa com seis garrafas, uma aberta e já bebericada e chamei um dos habituais borrachos que vivem pelas ruas de Bernardo;

  •  Hola amigo tengo un regalo para ti - chamei o gambá e lhe entreguei a caixa.

  • Dios mío, no creo.A que le debo este regalo?- questionou agradecido.

  • Es un regalo do Zé Gayoso lá de Florianópolis. Disfrute! E retornei para a aduana, sem problemas e sem temor.

E ainda tinha mais 855 quilômetros de volta. Mais uma pauta “molezinha”. Bem que eu poderia cobrar a conta do Gayoso com juros após 15 anos. Bela poupança. Poderia ser pior. Outra equipe tinha um motorista que queria trazer um curió no porta-malas. Imagina seria crime federal inafiançável se pego nas barreiras da PF, PRF e Receita. Saiu barato!


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Raios, vendaval e dor de barriga

 Raios, vendaval e dor de barriga

 

      Em 2006 o chefe Zé Gayoso me escalou para cobrir o roteiro feminino da campanha de reeleição de Luiz Henrique ao governo de Santa Catarina. Era um grupo liderado pelas esposas dos candidatos

      - Tio Ben, você acompanha as senhoras. É “molezinha”, leva a máquina faz as fotos, dirige e aproveita os cafés – Aconselhado aceitei na hora a pauta e me preparei para a viagem. Coisa pouca uns 1.200 km ida e volta.

      Seguimos ao Planalto Norte. Roteiro por Campo Alegre, São Bento com pernoite no tradicional e magnífico  Stelter Hotel, cujo padrão de qualidade, especialmente da culinária faz inveja aos melhores do mundo. Dia seguinte seguimos viagem Rio Negrinho caminhada pelas ruas e café da tarde. Excelente. O roteiro previa seguir direto para Porto União e depois voltar para Canoinhas e Mafra. Tudo dando certo.

      Em Porto União fizemos a caminhada liderada pelas senhoras e o prefeito Eliseu Mibach, bom de voto e de prestígio. O almoço estava agendado em um restaurante perto da Igreja Matriz Nossa Senhora das Vitórias, na subida da ladeira que leva a Matriz. Pancinha cheia, cada um no seu carro seguiríamos para Canoinhas e Mafra.

      Só que na saída de Porto União o tempo fechou, nublado, ventania, trovões. Tempestade feia.  Roteiro cancelado e deveríamos retornar a Florianópolis. Só mais 521 quilômetros de estrada. Fácil, fácil se não fosse a intoxicação do almoço. Após 15 minutos de estrada eu suava gelado, barriga inchada e não saia nada nem por cima nem por baixo. Desespero tomando conta e muita estrada pela frente. Tempo fechado. Eu não atinava mais nada, nem ouvia, nem via e era uma tontura um mal estar que parecia que o coisa ruim tinha vindo me buscar. Já estava até ouvindo: “Gordinho, chegou tua hora. Vim te buscar, pecador”.  Assim foi esta agonia por quilômetros. Cheguei na BR 116. Mais uma agonia para atravessar a pista e pegar o sentido Mafra. E a barriga enorme, parecia Dona Redonda da novela Saramandaia. Pensei. Vou explodir aqui no meio do nada. Chegou meu fim, e suava frio. Suspense e terror. E naquela região naquela época, há 15 anos, celular nem pensar. Era mais fácil sinais de fumaça e tambor.

      Cambaleando cheguei no trevo de Mafra que dá acesso a rodovia BR 280  que vai a Rio Negrinho e o tempo fechado com trovões, chuva grossa e aumentando. E começou a apertar a ventania. Pouco antes do acesso a Rio Negrinho tem uma ponte com uma rotatória de entrada para rodoviária e ao centro. Só vi outdoors voando, placas de propaganda e sinalização. Encostei o carro e só me restava rezar. Imagina morrer aqui no temporal e ainda com a pancinha desse jeito. Se me encontrarem todo cagado? O que será que vai na lápide: Aqui jaz...Fica por conta de vocês.

      Rodovia parada, rio subindo, ventania, raios e trovões. Era o fim do mundo, o apocalipse. A besta veio buscar os hereges. Retornei a pista e mais um outdoor passou riscando o teto da Doblò Adventure que eu tinha. Tentei chegar num posto de gasolina próximo. Embiquei o carro para me abrigar, e lá se foi o teto do posto. Saiu voando. Rapidamente virei à esquerda e voltei para pista. Devagarito só cuidando o vendaval que derrubava árvores, placas, postes. Logo em seguida na subida que vai para São Bento tem uma churrascaria Amigos da Estrada, que estava aberta ainda. Não tive dúvida. Parei, estacionei e corri para dentro, atravessei o salão rapidinho porque os banheiros ficavam do outro lado no canto esquerdo. A moça da recepção saiu correndo atrás de mim para me entregar a comanda. Já volto, já volto, avisei. Não poderia perder nem um segundo. Só pensava na salvação divina.

      Passado o pior retornei despacito para Joinville e liguei para o chefe Gayoso:

      - Gayoso, olha pauta legal essa, “bem molezinha” como você disse que seria, mas preciso dormir em Joinville e um dia de folga.

      - Bacana Tio Ben, te prepara para São Miguel do Oeste na sexta.

      Desliguei o telefone e fui  para o banho e dormir após um chá de boldo, bem quentinho. Pauta “molezinha” e almoço daqueles, Nunca mais. E a pauta de São Miguel do Oeste? Esta conto outra hora.


domingo, 24 de janeiro de 2021

Ainda sinto o aroma do banquete

 Ainda sinto o aroma do banquete

 

 

             Era um domingo de sol, claro, bonito. Estava pautado para cobrir uma festa de uma comunidade católica no interior de Caxias do Sul. Era tradicional. Não lembro mais se era na Vila Oliva, Fazenda Souza ou Santa Lúcia do Piaí, que não pertence a Caxias.

             Seguimos viagem e chegamos a tempo de cobrir o evento todo pela manhã. A tradicional romaria, missa, jogo de futebol num gramado bem cuidado que dava gosto de ver. Anotei tudo, já estava com o texto montado na minha cabeça, as fotos feitas com farto material para o editor trabalhar de tarde.

             Mas lá pelas 11h30min percorri os arredores e entrei no salão paroquial onde estavam sendo montadas as mesas com as delícias da culinária italiana. O aroma vinha de longe e como bom taurino gorducho não poderia deixar de fiscalizar do que se tratava. De longe senti os temperos os aromas de molho de tomate, de manjericão, alecrim, salsa, cebolinha, churrasco, frango assado com pimenta do reino por cima.

             Uma senhora me viu ali e veio ao meu encontro.

             - Bom dia moço! O presidente da comunidade disse que vocês são do jornal lá de Caxias. Separamos uma mesa para vocês. Não me façam desfeita de ir embora sem experimentar nossa comida. – Convidou apontando para a mesa e para as senhoras da cozinha.

             - Vem aqui quero te mostrar minhas comadres, minhas filhas, e as mulheres daqui que estão trabalhando. Fui, entrei na cozinha e o espetáculo era maior ainda. Quando vi um leitão assado saindo do forno, quase não resisti em pedir uma lasquinha. O dourado dos cortes de frango brilhava mais que ouro. Quando despejaram a polenta na tabua de madeira aí meu coração quase parou. E a fornada de pão fumegando...sem descrição.

             E o pratão de radicci temperado com vinagre da colônia. Era de babar. Em uma mesa longa de madeira, com farinha de trigo espalhada para não grudar a massa, estava o divino macarrão feito na hora, esperando para mergulhar no panelão de água quente e sair cozido, al dente, para receber o molho de tomate, ou alho e óleo ou um caldo de feijão. E o cheiro de manjericão a esta altura já tinha me dominado. Do lado de fora vinha o cheiro do churrasco que estava ficando no ponto esperando o meio dia onde o pessoal já estaria se sentando para almoçar. Mas já havia uns gringos com um garrafão de vinho tinto. Valentes. Vinho tinto ao meio dia é para quem é forte. Outros pediam uma “grade” de Polar de Feliz ou podia ser Antarctica de Caxias

             - Me traga meia dúzia de faixa azul- ordenava um dos participantes empolgado com o dia bonito, comida farta e com a festa realizada anualmente. Depois disso todos deitaria embaixo de uma árvore no gramado e curaria a ressaca.

             Já era cerca de 12h30min o fotógrafo chegou perto e disse: - Vamos embora? Falei que fomos convidados para o almoço pelo presidente da comunidade. Dai ele se emburrou, disse que não ficaria e que iria embora com o motorista. Tinha de levar as fotos e revelas (não existia fotografia digital.) e o chefe disse que “não deveríamos aceitar presentes de fontes”. O motorista, queria ficar e voltou para Caxias com um bico de beber água em jarro.

             Voltamos, chegamos no jornal cada um fez sua parte, escrevi e só me restou voltar para minha cobertura na rua Sinimbú, perto dos Correios e preparar um banquete. Tinha uma latinha de sardinha, um pacotinho de miojo e preparei um belo almoço de frutos do mar.

             Três décadas depois ainda sinto o aroma do banquete e aquela imagem magnífica dos pratos prontos para serem divinamente devorados.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Onde andava sumido?

 Onde andava sumido?




Há exatos 30 anos eu trabalhava no jornal Folha de Hoje em Caxias, que funcionava na esquina da Tronca com Floriano, prédio da Triches, que era dono de um grupo de comunicação. 

Estava na Editoria de Economia e num período do ano, uma dita Força Tarefa ia fiscalizar casas noturnas. Era um grupo formado por fiscais da Prefeitura, Conselho Tutelar, Justiça de Menores, Corpo de Bombeiros e outros órgãos. Combinado era todos estarem na Praça Dante  Alighieri às dez da noite para seguir o roteiro já montado por um sargento do Corpo de Bombeiros, um sujeito bonachão, negro forte, alto bem humorado. Ele liderava o grupo.

Visitamos bares, restaurantes, casas de shows, casas de atividades suspeitas onde moças atendiam e bares da moda.

Cada visita, ele apresentava a o grupo e explicava a intenção:

  • Só vamos vistoriar a segurança da casa, saída de incêndio, condições sanitárias, extintor e se não há menor na casa- discursava em bom som o sargento, todo animado com o protagonismo. Todos com e planilhas para anotações e alguns já para autuações de alguma possível irregularidade e orientações.

E assim seguimos noite adentro até pelo menos 2 horas da madrugada quando chegamos em uma casa de respeito no final da Ernesto Alves quase na BR 116.

Chegamos em frente ao estabelecimento, nos reunimos na frente para esperar que todos chegassem e assim fazer a visita. Notei que o entusiasmo do sargento estava menor, mas poderia estar cansado, afinal com certa idade, gorducho e o calor poderia estar cansado após quase 5 horas de vistoria.

  • Será que precisamos ver esta casa, acho que todos estão cansados - questionou o sargento

  • Eu estou bem, acho que dá para fazer esta última- sugeriu o fiscal da vigilância.

  • Tá bom! Vamos entrar, podem ir entrando que já vou- indicou o bombeiro.

Entramos porta adentro e nos apresentamos. Veio a dama  proprietária da casa. Pouco mais de 1,60m vestido de oncinha, cabelo ruivo, lenço colorido no pescoço, três anéis de brilhante, salto alto e meia de fina seda. Perfume que já era seu cumprimento a metros de distância. Com sorriso aberto de boas vindas aproximou-se do grupo e fez com que todos se sentissem bem.

  • Sejam bem vindos à minha casa. O que posso fazer pelo prazer de vocês. Recepcionou a madame ajeitando o cabelo e logo estendendo a mão bem cuidada com anéis de brilhante, pulseiras feitas com farto ouro e unhas pintadas de vermelho pecado.

  • Viemos fazer uma vistoria e uma inspeção. Coisa de rotina. Explicou um fiscal, pois o sargento estava lá fora ainda. - Mas estamos esperando o representante dos Bombeiros- complementou o fiscal.

E meio sem graça, de cabeça baixa, surgiu o sargento que ficou atrás do grupo. Vamos prosseguir disse meio resmungando na meia luz, como se quisesse se livrar logo.

Lá da frente a proprietária da casa viu o último membro da Força Tarefa e falou alto:

  • Oi querido! Que bom que você apareceu. Onde andava, sumido. Tem umas meninas novas que querem dançar com você, pé de valsa.

  • Pessoal, acho que a casa está toda em ordem, tem até o alvará pregado ali na parede, podemos concluir nossa tarefa de hoje, já é tarde e vocês devem estar cansados. - Sugeriu o sargento.

Todos concordaram. Inclusive eu. Afinal era quase 3 da madrugada teria de ir para casa e no dia seguinte escrever a matéria. Mas antes passei no Vôo Livre para uma Antarctica fabricada em Caxias e uma Polar de Feliz.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Faltava defuntos

 Faltava defuntos

 

      Há uns 45 anos meu irmão estava construindo a casa dele, ao lado da nossa. O pai dividiu o terreno e ele ficou com uma área onde havia um amplo jardim de roseiras, cultivadas com carinho, fazia enxertos, desenvolvia experiências de novos cultivos e novas cores. No mesmo terreno havia árvores frutíferas. Minhas preferidas eram as de caqui. Frutos saborosos.

      Para a construção da casa, ele contratou o Fianco, um bom pedreiro alí do São Cristovão. Mas na equipe tinha um polaco que era o ferreiro. Não lembro o nome dele. Mas lembro que bebia uma cachaça danada. Como diziam o polaco não bebia! Comia com farinha.

      Ferreiro, na construção é o profissional que faz as armações de ferro para depois colocar na caixaria e concretar, dando sustentação às vigas, pilares enfim a fundação da obra.

      Logo cedo o polaco já estava com a garrafinha da branquinha na bolsa. Volta  e meia dava uma bicada. Seu expediente não ia longe. Como ganhava por hora, quando estava meio tontinho o Fianco dispensava.

      Eu era pequeno, mas era responsável pelos pagamentos nas sextas-feiras. Sim, tente não pagar pedreiro na sexta. Não vai ser agradável, E nem venha com cheque (se usava no século passado- papéis que eram ordens de pagamento à vista, usados em compras e de desconto direto). As novas gerações não sabem o que é isso. Tinha de ser dinheiro contadinho uma nota em cima da outra, após as contas das horas feitas pelo Fianco.

      Lá ia eu nas sextas pagar o pessoal e pegar os recibos.     E toda vez o polaco queria mais dinheiro.

- Fala com teu irmão que preciso de dinheiro adiantado. Morreu minha mãe e tenho que comprar velas.

Comovido com a situação levava o recado. Na outra semana o polaco, vinha com a mesma conversa. Pelas minhas contas ela já tinha matado em um mês, duas vezes a mãe, quatro filhos, a avó e uma tia que morava em Cotegipe e um primo que vivia em Jacutinga.

      Pensei, é muita desgraça para este polaco. Coitado, quanto velório.E anotei em um papel todos os mortos e as datas.

      Chegando numa sexta-feira, de novo segui os pagamentos e o polaco com cheiro de cachaça vagabunda que dava para sentir lá da rua.

      Já de longe vi esfregando os olhos, vermelhos e inchados. Era de tristeza. Assoava o nariz na camisa mesmo e de despedaçava em lágrimas. Me preparei. Quem será que morreu esta semana? Pobre alma.

      - Fala lá com teu irmão que meu filho menor morreu ontem e tenho que comprar um caixãozinho, a Prefeitura não me deu nada..- implorou o ferreiro.

      - Polaco aqui está a lista dos mortos da família. Já morreram todos os teus filhos. Sentenciei tentando me livrar.

      - Mas guri, você não sabe. Este  é o filho de uma amante minha que tenho lá na zona perto do aeroporto. Coitadinho não resistiu. E caiu em prantos esperando que fosse abraçá-lo e ser compreensivo com a nova tragédia.

      Só restou-me dar um abraço de condolências  ao polaco pela nova perda, enquanto os outros pedreiros se desmanchavam de rir.

      Se concorresse ao Oscar de melhor ator dramático, acho que nem Roberto de Niro, nem Al Pacino ganhariam do polaco, que era ator, roteirista e diretor e deus dramas.

      Fecha a cortina e serve mais uma daquela garrafinha escondida na bolsa de lona.


DUQUE ENFRENTA NOITE DE LUA CHEIA