sexta-feira, 26 de julho de 2019
Nem este salva o Brasil
Mãe, me liga, né? Vem almoçar comigo mais vezes - convida a filha, em tom carinhoso. Você nem responde minhas mensagens - insiste a filha.
Mas eu tenho fome, gosto de comer cedo e você só pode mais tarde.
Mas perto do meio-dia eu sempre posso, garante a filha.
Mãe, fala alguma coisa me conta o que anda fazendo?
Estou com fome! Estou comendo.- responde a senhora de uns 60 anos, cabelos brancos naturais escorridos, rosto lavado, sem maquiagem, sem batom, sem adornos ou acessórios. Nenhuma vaidade aparente. Segue comendo arroz, feijão, macarrão, carne moída com molho, alface e abobrinha.
Mas me fala alguma coisa? Insiste a filha de uns 30 anos.
Estou lendo livros.
Qual, mãe, me diz que vou ler também...
Jesus para Presidente - respondeu levando mais uma garfada para boca.
Que lindo mãe! Vou querer ler também. Depois a senhora me empresta. Completou a filha que vestia uma blusa leve em tom de zebra e mangas de tule. No pescoço uma corrente prateada com imagem de Nossa Senhora.
Mãe, me espera. Enquanto isso a mãe já tinha terminado, levantado e foi entregar o bandejão. Pressa de sair dali. Poderia ter pelo menos esperado a filha terminar.
Jesus para Presidente? Avisem o candidato antes que no Brasil são 513 deputados federais, 81 senadores, 27 governadores, milhares de vereadores e centenas de deputados estaduais.
Vai faltar milagre ou 30 moedas de prata.
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Agulha reveladora
Agulha reveladora
Impressionante como pobre gosta de fila. Esta semana fui fazer exames periódicos, como faço anualmente. Minha requisição era pra ser atendido as 7h15min. Não acreditei. Mas, enfim às 7h estava eu lá na fila do Laboratório Municipal. Olhei aquela fila imensa e pensei: Acabou minha manhã. Conversei com algumas pessoas e perguntei qual seu horário?
8h10min, 9h, 9h30 responderam. E questionei que horas haviam chegado?- 5h, 6h e assim foi.
Cheguei aqui às 5h15min disse com cara de brava uma senhora. Mas seu agendamento era só para as 8h20min. Por isso digo: pobre adora uma fila. Não há necessidade.
Logo em seguida a atendente chamou os que estavam agendados para 7h15min. Rapidamente checaram meu cadastro e fui chamado para a coleta. Todo o processo durou pouco mais de 30 min. Deu tempo de chegar ao trabalho sem ter que justificar atraso.
Mas o caso da agulha vem em seguida.
Na sala de espera da coleta havia um senhor alto, bem arrumado, por volta dos 65 anos. As pretendentes diriam que era “apessoado” ou “bem apanhado”. A enfermeira foi chamando um a um pelo nome, fazia a coleta e liberava.
Ele foi chamado e dois minutos após saiu da sala de coleta irreconhecível. Entrou com pose de machão e saiu cover do seo “Peru” - personagem do humorista Orlando Drumond do programa de televisão Zorra Total:
Uuuuuiiiii! Aaaiiiiii! Tirar sangue dóoooiiiiiiiiii! Quer horror……
Não restou para os demais pacientes na sala de espera cair na gargalhada.
Esta agulha bandida revelou mais um. Outro mito que cai”;
terça-feira, 23 de julho de 2019
Na caixa da lenha não
Na caixa da lenha não
Numa manhã fria, lá fora a geada branqueou tudo, a mãe de um amigo levanta cedinho para acender o fogo e iniciar o dia. Sentiu um cheiro estranho na caixa de lenha, imaginou que fosse canela, que possui um odor muito forte. Tentou “principiar o fogo” até com grimpa de pinheiro e nada. Mas para entender vamos voltar uma semana antes.
Durante infância e adolescência construímos amizades que se eternizam. E após 40 anos ou mais sem se ver encontramos amigos verdadeiros e a reação é de como se tivéssemos nos encontrado na semana passada. É sempre prazeroso.
Assim tem sido. Já encontrei amigos da 5ª a 8ª série quando estudávamos no Polivante. Mais recentemente encontrei outra turma dos 30 anos de formatura e aceitei o convite do Paraguaio para ir numa festa do chope em Colônia Independência. Lá onde o Paraguai dá de costas com a Argentina. A distância dos anos não separou a afetividade de amigos.
Mas isto me retorna aos anos 80.
Mas voltando há 40 anos, tinha um colega que morava perto dos bombeiros, na descida da rua do antigo Colégio Industrial, hoje Haidee Tedesco Reali. Caminhávamos juntos na saída da escola, lá do Polivalente, íamos até a Sete de Setembro, na esquina da Incasel e seguíamos para o centro. Ele ficava na Praça dos Bombeiros, descia a rua Goiás e estava em casa. Eu seguia mais um eito até em casa, ali perto da Escadaria na rua dos Correios.
Tempos depois ele se mudou lá para perto dos trilhos, perto do Ginásio São Pedro.
Aos sábados geralmente saíamos para ver a noite. Nada de espetacular. Máximo uma caminhada, um cachorro quente ao lado do Inamps, onde hoje é o Caità.
Depois uma volteada pela cidade, algumas cervejas e íamos para casa. Afinal o inverno erechinense era muito cruel.
Passei na casa do colega, que só vou citar as iniciais Roberto Kunze, que já foi astro do Futsal. A mãe dele na cozinha recomendou que não era pra gente voltar tarde. Tudo certo.
Mas acho que abusamos um pouco e lá por altas horas cada qual seguiu seu rumo em trajetos opostos.
Uma semana depois voltei na casa dele e a mãe tentando descobrir quem era o vulto na madrugada que errou o banheiro e fez xixi na caixa da lenha, ali na cozinha. Ele levantou a tampa da caixa da lenha e não do vaso sanitário e ali fez ao chegar em casa meio atrapalhado.
Eu não fui, porque segui para minha casa….Já imaginou tentar principiar fogo com lenha molhada? E numa manhã fria de geada?
Obs: geralmente preservo os nomes, mas como o Roberto é meu amigo e se passaram 40 anos o “crime” prescreveu e não posso ser processado.
sábado, 20 de julho de 2019
Domingos em Marcelino Ramos
Domingos em Marcelino Ramos
Quando eu era criança, uma das atrações que a gente esperava toda a semana era o domingo para passar o dia em Marcelino Ramos. Uma distância de 55 quilômetros que demorava horas de ônibus em estrada de chão batido. Hoje com o asfalto se faz em uma hora.
Era uma alegria. Famílias inteiras, já conhecidas, que sempre iam na excursão. Cedinho no domingo o ponto de encontro era na garagem da Zardo, na rua lateral do Hospital de Caridade.
O motorista era o dono da empresa o Beloni, que aproveitava o dia para levar a família também. E sempre esperava os passageiros com uma cuia de chimarrão, erva verdinha nova, plantada e colhida e moída em um barbaquá em Áurea e água quente. Receptivo. Os passageiros iam chegando, tomando mate, colocando suas sacolas no bagageiro e escolhendo seus assentos.
Lá pelas 8h saia o ônibus, carroceria forte construído na cidade pela Incasel. Seguia pela saída do bairro Florestinha. No perigoso trevo da Transbrasiliana, era parar olhar para os dois lados, engatar a primeira e atravessar ligeiro em direção a Gaurama.
Este era um trecho muito ruim, principalmente quando chovia. Era uma lama só que ficava um sabão. Volta e meia se via caminhão caído na vala, carro atolado. Não era raro ter de acorrentar os pneus. E seguia a viagem rumo a Viadutos e depois Marcelino. A entrada da cidade balneária dava medo para os menos calmos. Descida íngreme, pedras soltas em tempos quentes e barreiro perigoso quando chovia. Tinha de ter “braço” para comandar o ônibus e no final da descida uma curva fechada à direita que dava acesso ao último trecho em direção ao balneário. Enquanto o ônibus descia as “véia” rezavam o terço: Valha-me Deus!
Chegando ao balneário, ônibus estacionado, todos avisados que as 17 horas deveriam voltar.
Dia livre. Cada um escolhe seu lugar embaixo de árvores, montavam seus acampamentos ou escolhiam uma mesa debaixo do grande telheiro, ao lado dos chuveiros à beira do Uruguai.
A “piazada” não ajudava. Corriam logo para comprar o ingresso e se atirar na piscininha; Os chuveiros eram para os adultos e as banheiras para a velharada.
A piscininha de 10m x 4 m e 40 cm de profundidade. Não tinha perigo. Água quentinha. Chuveiros com forte pressão da água sulfurosa que vem de um poço com 544 metros de profundidade. Descobriram essas águas quando prospectavam petróleo em 1959.
Mas a melhor parte do dia era o almoço. A água dava fome. O cardápio nunca mudava era a galinha assada inteira com recheio de farofa, K-suco ou para os mais ricos laranjinha Balvedi.
As galinhas eram assadas nos sábados. Geralmente duas com recheio de farofa bem sortida. O tempero exalava um aroma delicioso e dava vontade de comer quando estava sendo preparada. Recheio feito com os miúdos bem picadinhos, salsa, cebolinha, cebola, alho, pimenta, bacon, milho, azeitona, farinha de rosca. Farofa com substância. A sambiquira era da vó.
Era comum os barqueiros que transportavam areia pelo rio. Também ganhavam uns trocados levando os “turistas” para um passeio no barco a remo. Algo perigoso, mas confiavam nos braços do barqueiro. Atravessavam o rio e o perigoso “canalão” que muitas vidas levou. O canal por onde passa a correnteza era muito forte e alguns mais exibidos atravessam o rio a nado para se aparecer. Muitos foram engolidos pelas águas do Uruguai e seus corpos nunca foram encontrado. Outros mais preparados conseguiam chegar a outra margem, já em Santa Catarina.
E assim se passavam os domingos. Quem podia ia até o Santuário de Nossa Senhora de Salette, romaria de fama regional. Desde 1936 recebe romeiros que agradecem pelos milagres e graças alcançada.
Nas épocas de seca, dava para ir a pé pelas pedras até metade do rio, antes do canalão. Com a construção da barragem de Itá, grande parte desta história de infância sumiu, submersa pelas águas da barragem.
Resta a lembrança do aroma da galinha com farofa, que exalava quando se abria a toalha que ela vinha enrolada e cada uma se servia. Uma mordida no frango, uma colherada de farofa e um gole de laranjinha. Depois sestear na sombra e voltar a piscininha.
Deus não é uma placa
Deus não é uma placa
Após um final de semana de tempo ruim, na época da aprovação do primeiro turno da Reforma da Previdência, a segunda-feira foi de sol aberto. Dia claro, bonito, céu de brigadeiro.
Fila no bandejão enorme, já que aparece mais gente em dias sem chuva ou frio.
Deus não é uma placa na parede. Não acreditem nestas igrejas. Aceite a palavra do Senhor- bradava uma senhora com mais de 60 anos certamente. Cabelos compridos presos, pele branca, casaco de malha sobre uma camisa branca. Vestido comprido típico de frequentadores de religiões evangélicas. Entregava um folhetinho para cada um.
A cada entrega, repetia o falatório e no melhor estilo Cabo Daciolo (mais divertido dos presidenciáveis) repetia após cada folhetim entregue:
Glória a Deus, irmão.
Glória a Deus, Amém, irmã - repetiam alguns. Outros apenas pegavam o folheto e guardavam, outros como eu liam. Também guardei.
“Deus fica perto dos que estão desanimados e salva os que perderam a esperança” - Salmo 34, 18. Este era o teor do folheto.
E a fila continuava. O falatório também.
Dois senhores que habitualmente almoçam no Restaurante Popular, onde pagam R$ 1,00 conversavam na fila sobre o que será deles com a nova reforma, o desemprego, as situações de vida e as piores das perspectivas para eles na situação como vivem e o valor do salário mínimo que nunca sai disso.
Ela,de orelha em pé, não se conteve e se meteu na conversa.
Eu e meu marido ganhamos salário mínimo a vida toda. Temos a nossa casa. Sabem porque isso? Ele nunca bebeu uma gota de cachaça e eu nunca fui num salão pintar as unhas. Nunca fui dessas que pinta as unhas.Glória a Deus, irmãos - gritou na fila a senhora.
Glória a Deus irmã, responderam sem contestar, apenas resmugaram algo inaudível, possivelmente contrariedade pela pregação.
Eu fiz igual o Daciolo fui para o monte. Monte de comida no bandejão. Não era o Monte das Oliveiras.
sexta-feira, 19 de julho de 2019
Eu, Baryshnikov e cerveja
Eu, Baryshnikov e cerveja
Era 2007, abertura do 25º Festival de Dança de Joinville. Um dos grandes nomes da dança mundial fez sua apresentação no Centreventos Cau Hansen. O bailarino Mikhail Baryshnikov, com a sua companhia de dança Hell's Kitchen abriram aquela edição, num espetáculo memorável.
Na época eu trabalhava com o governador Luiz Henrique e o acompanhei no evento. Após o espetáculo, alguns convidados foram recepcionados no restaurante do Prinz Hotel, na rua Otto Boehm.
Coquetel, bebidas, conversa como sempre acontece nestes eventos. Eu já havia cumprido minha missão de jornalista e acompanhado do colega Vitor Louzado escolhemos um cantinho perto da porta. Sempre seja amigo dos garçons diz um ditado antigo dos frequentadores de bares, principalmente.
Gentilmente um dos garçons já meu conhecido de tempos, trouxe um baldinho com seis long neck Skol, afogadas no gelo.
Eu e Vitor conversávamos sobre assuntos nosso e bebericávamos nossa Skol.
Lá no salão grande os convidados, bailarinos e a estrela russa.
De repente se aproxima de nós um sujeito de baixa estatura 1,68m, branquelo, cabelos desalinhados e visilmente de saco cheio. Nos viu ou viu apenas o baldinho de cerveja.
Excuse me. I want a beer. This is good? - apontou para nosso baldinho.
It's the best in the world.- respondi rapidamente exibido.
Very good! Respondeu o russo fazendo glu glu em três long neck de nossa cota. Trocou algumas palavras,matou a sede agradeceu e voltou ao salão para se despedir e ir para o hotel descansar.
Eu e Vitor nos olhamos, contemporizamos. Era ele sim Baryschnikov. Bebeu metade de nosso estoque do baldinho.
Simpático, educado e sem estrelismo.
Mas de longe, no palco parecia mais alto. Tínhamos a mesma altura e o mesmo gosto.
quinta-feira, 18 de julho de 2019
Almoço só para ele
Almoço só para ele
Durante a campanha eleitoral de reeleição de Luiz Henrique a governador, em 2006 eu e o Carneiro (cinegrafista) - nunca soube o nome dele em mais de 20 anos que o conheço. É Carneiro. Pronto!. Acompanhávamos o roteiro pelo Sul do Estado.
Saímos de Florianópolis e fomos em direção ao sul. Pela manhã percorremos Tubarão, Braço do Norte, Orleans e Urussanga.
De tarde seguiríamos para Criciúma pela 101 até Balneário Gaivotas passando em caravana rápida pelos municípios pequenos. Só uma passada resolveria. Buzinaço, foguetório, bandeiras, carro de som com jingles e acenos.
O roteiro da manhã encerrou em Urussanga. Passamos por Cocal do Sul. Cansados e famintos, Já era 14h. Paramos o carro em frente a uma loja, possívelmente um ótica. Uma moça muito bonita estava em frente e o Carneiro foi perguntar em quem ela votaria para puxar conversa: Amin - respondeu ela. Pronto. Já deu para pra manga. Alí o Carneiro perdeu tempo tentando convencê-la de que o melhor para Santa Catarina era votar no Luiz Henrique.
Eu estava mais interessado em comer. Alimentar o corpinho.
Hora passando fome aumentando e o Carneiro, lá. Atravessei a rua e deixei-o. Daí veio atrás. Ali na praça da Igreja da Paróquia Nossa Senhora da Natividade perguntamos onde poderíamos almoçar. Com a maior calma um senhor disse: Mas agora já passou da hora é duas da tarde.
Seguimos pela avenida principal e na esquina tinha um restaurante vazio, mas de portas abertas. Buffet recolhido, pois já era 14h15min.
Para se redimir do atraso, perda do horário e fechamento do restaurante, Carneiro tomou a frente e bateu palmas para ver se vinha alguém. Clap! clap! Clap!. Apareceu uma senhora de beirando os mais de 30 anos, charmosa,atraente, cabelos pretos, vestido de chita com padrão floral. Sorridente. Boa tarde pessoal, já fechamos. Estamos recolhendo - justificou educadamente.
É que estamos viajando e com fome, Dá para fazer alguma coisa para nós? Insistiu Carneiro. Eu, quieto e emburrado.
A dona do pedaço parou suspirou e prontamente respondeu:
Vou fazer algo especial para vocês, mas por causa dele que é muito bonitão. Disse ela apontando para mim.
Sai de alma lavada, pancinha cheia e todo pachola. Ganhei o dia. E no resto do roteiro o Carneiro teve de aturar minha soberba. Estava conduzindo um George Clooney dos pampas kkk
quarta-feira, 17 de julho de 2019
Deus Negro
Fez fortuna, graças ao seu tino comercial. De pouco estudo, mas esperto, filho de colonos foi para a cidade, nos anos 60 deu um “peitaço” e comprou um caminhão Chevrolet fiado para transportar feijão. Trabalhava dia e noite. Virou cerealista com capital.
Tinha visão de comércio e do que a cidade precisava. Até então tudo era vendido em pequenos mercados, armazéns, bodegas e bodegões. As lojas de secos e molhados vendiam de tudo. Desde o parafuso até remédios, muitos até vencidos, mas afinal “o que não mata, engorda”.
As comunidades eram formadas de italianos, judeus e alguns poloneses que na visão dele, eram cachaceiros e faziam o serviço tipo “polaco”. Já os negros, sempre repetia: se não fazem no início, fazem na saída. “ era um sujeito odioso, racista, homofóbico (na época nem existia este termo). Mas sabia ganhar dinheiro. Criava empresas, empregava gente: menos negros e polacos. Era regra nas empresas.
Todos os dias ia para o trabalho a pé para não gastar gasolina nem as borrachas dos pneus do carro. Seguia pela mesma avenida e todos os dias desprezava um negro que varria a avenida da cidade. Era um gari da Prefeitura. Passava, sempre escarrava, dando a entender que nem para aquele nobre serviço o tal negro servia.
Algo atormentava sua alma. Sua única irmã gostava de homens negros. Tinha verdadeira paixão pelo Pelé. Claro que era um sonho inimaginável. Mas na solidão do quartinho dela, sonhava com uma companhia. Morreu solteirona e virgem, mas sonhando com seu rei da cor de ébano.
Assim se passaram muitos anos. Alcebíades não perdia a missa aos domingos. “Porco Dio, estes padres tudo do PT.”, resmugava às 11h ao sair da missa, mesmo sendo primo do padre. Não queria gastar, ia a pé até seu mercado para ver se todos estavam trabalhando.
Esta era a rotina. Trabalhava, acumulava dinheiro, abria empresas, expandia negócios pelo Brasil e exterior. Não gastava em roupas, nem ostentação. Usava sempre o mesmo sapato e o sapateiro já cansou de fazer meia sola. Contava centavos e empregava muita gente: menos negros e polacos.
Os ricos, da elite como ele o adulavam. Era um sujeito desprezível, porém poderoso. Dinheiro chama dinheiro. Casou com moça de família também rica, mas não dispensava a companhia de funcionárias após 22 horas quando fechava o mercado. Sua ostentação era uma Sidra das mais baratas que ele mesmo botava gelar para a ocasião. Seus pecados o padre perdoava na missa de domingo, já que eram primos, vieram da mesma cidade, foram criados na infância juntos. Famílias italianas eram grandes e a parentagem era longa.
Era uma quarta-feira de sol quente. Almoçou o que comia todos os dias: massa com molho de galinha feita na panela, polenta, radicci com bastante vinagre da colônia e pão. Não queria bacon frito porque o preço do porco estava muito caro. Tudo feito em casa. Um bicherote de vinho de garrafão da colônia que foi de seus pais. Não perdeu tempo em descansar. Foi trabalhar, porque alguém podia estar roubando ou fazendo corpo mole. Por isso não empregava negros ou polacos.
Seguiu sua rotina e faltando poucos metros para entrar em seu negócio e verificar se tudo estava em ordem, algo ocorreu. . Sentiu uma forte dor no peito, formigamento do braço, perdeu forças e caiu na beira da calçada. Uma luz muito forte turvou sua visão e alguém o amparou para não bater a cabeça no meio-fio.
Pensou: Che cazzo è? Non può essere. Dio è nero.
Sim Deus era negro”. Negro com a cara do gari que diariamente varria a rua onde ele passava desprezando o tal sujeito.
Mas como pode ser? Deus negro com a cara de lixeiro? Não pode ser! Há algo errado Porco Dio.
Esta foi sua última visão: Morreu na sarjeta amparado por um Deus Negro. Amém, que sua triste alma seja levada para o céu, porque lá embaixo, acho que não vão querer.
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