terça-feira, 28 de julho de 2020

O pensamento vai longe na fumaça do palheiro

 O dia amanheceu com os campos cobertos de geada, a cerração não permitia ver muito longe e só lá pelas 9 é que o gelo estaria derretido e daria para começar alguma atividade. Olhou pela janela, apreciou a beleza do inverno do cerro branco que sempre admirou e contemplava a magnitude do lugar deixada pelo Criador.

Sentou no seu tradicional banquinho abriu a porta do fogão à lenha e iniciou a principiar o fogo. A caixa de lenha estava cheia com madeira seca. Na semana anterior chegou um caminhão de árvores de desmatamento de uma granja do município vizinho de  Quatro Irmãos, já havia aproveitado os dias de sol e frio para serrar e com o machado deixar tudo cortado e empilhado no porão para aos poucos ir queimando durante o inverno.

Portinha do fogão aberta, colocou dois pedaços de lenha, gravetos e uma folha de jornal Correio do Povo já lido enrolado. As folhas eram grandes do tempo que se fazia jornal formato Standard. Tirou do bolso uma caixa de fósforos da marca Guarany e os gravetos e grimpas secas pegaram fogo logo se alastrando pela madeira. Chaleira em cima da chapa para aquecer a água do chimarrão. O vento batia numas latas de óleo Primor, da Samrig, penduradas no canto da casa para alguma serventia futura.

Fogo feito, água aquecendo sentou tranquilamente e puxou a faca prateada Soligen uruguaia, bem afiada. Faca bonita com punho cravejado de pedras semipreciosas e bainha da faca feita em couro curtido e com desenho feitos a fogo.

Sobre o fogão havia um fio de arame como se fosse um varal, Ali ficavam penduradas roupas para secar, cascas de laranja e maçã para um chá e as palhas de milho que ficavam secas e amareladas. Num prego na parede uma volta de fumo em corda. Mais parecia uma negra cobra descendo pela parede. Fumo preto em corda vindos de Sobradinho e que era vendido num depósito de fumo e bananas no porão de uma loja ali no centro.

Lentamente pica o fumo com a mão e coloca sobre a chapa do fogão a lenha quente para secar. Enquanto o fumo seca um pouco,  pega uma palha de milho do arame de cima do fogão corta as pontas e alisa a folha dos dois lados com a lâmina da faca. 

As mãos calejadas de tantos anos de trabalho, veias saltadas e sulcos profundos esfregam o fumo entre as mãos em movimentos rotatórios até que os pedacinhos se soltem. Pega a palha seca e cortada e segura com os dedos da mão esquerda em formato cilíndrico. Com a mão direita coloca lentamente o fumo em corda por toda a extensão da palha. Bem distribuído agora enrola com todo o cuidado e  passa nos lábios para selar o seu palheiro. Abre a portinha do fogão e encosta a ponta do palheiro recém feito. Acende rapidamente.

Levanta de seu cepo que ficava sempre frente a porta do fogão vai até a janela e observa os primeiros raios  de sol derreter a geada. Leva o palheiro na boca, fuma lentamente e deixa a fumaça levar seus pensamentos para o horizonte, reavivar memórias. Mergulha em seu passado, em suas saudades, suas lembranças  o que fez e o que gostaria de ter feito. A fumaça do palheiro se mistura do seus pensamentos, olhos cheios d'água que poderiam ser de suas lembranças, de suas tristezas, mas que se alguém visse diria que era por causa da fumaça. Poucos minutos de contemplação, pensamentos distante são despertos pelo chiar da chaleira. A água está pronta para o mate. Serve a cuia, senta novamente no cepo de cerne de angico e fica a olhar pela janela. 

  • Será que um dia meus filhos terão tempo para me visitar? Resmungou cutucando o cusco que estava deixado no quentinho ao lado da caixa de lenha. O cachorro só olhou baixou a cabeça, meteu o focinho no pelego de ovelha e desviou o olhar para o chão. Também não tinha a resposta.

domingo, 26 de julho de 2020

Gordo que nem um leitão

 Gordo que nem um leitão


E aí, como está?

Ainda aqui no distanciamento em home office.

Mas e a família?

Todos bem, saudáveis e cuidados, sem risco de contágio.

Que bom, mas o que vocês tem feito por aí?

Engordando que nem leitão para o Natal.

kKKKK. Mas como?

Deita, dorme, come, bebe, come, deita, dorme, bebe. Cota de ração acima do normal, Já ouviu falar que o confinamento nas granjas de aves e suínos é para dar engorda e corte mais rápido, ou dentro do prazo?

Sim, os integrados fazem isso no oeste.

Assim também é com a gente. Engordando e o Natal está próximo, época de matar o leitão.

Lembrei dos leitões que a gente engordava no terreno para o final do ano.

Chegava com uns dois meses lá por fevereiro e até dezembro eu ajudava a cuidar. Ficava num cercado e ali recebia ração de quirera, farinha de ossos, abóbora, hortaliças, só coisa boa. Tinha de dar banho no leitão para não juntar moscas. Se era macho já vinha capado se era leitoa se criava para o abate sem nunca dar cria.

E lá por perto do Natal, num final de semana de dia bonito era o prazo para matar o bicho. A lida começava cedo. Uns já faziam fogo para esquentar a água que ia pelar o bicho, outros preparavam tachos para fazer torresmo, apurar a banha, outros já iam limpando as tripas para fazer salame, copa e linguiça. Cada um na sua função. Se fazia até sabão com a gordura.

Tudo organizado era hora de pegar o leitão a unha. Coisa difícil Chegou no começo do ano com poucos quilos e após 10 meses de engorda já está pesando 100 quilos.

Quatro homens fortes trazem o porco que fica pendurado pelas patas de cabeça para baixo, num galho de árvore bem forte.

Enquanto um segura a bacia abaixo do pescoço outro corta a artéria com uma faca. O sangue é aparado para depois fazer a mocilha. Os gritos se ouvem lá na outra quadra. É terrível o som da morte.

Drenado o sangue, deita o bicho numa mesa de madeira bem forte. Água quente para tirar o pelo dai abre a buchada. Se aproveita tudo, tripas, rins, enfim toda a miudeza.

Já cortado em partes é hora de separar tudo, moer carnes, temperá-las para fazer os embutidos. Latas de banha com orelhas pés e rabos que serão aproveitados numa feijoada futuramente.

Enquanto isso outra turma na churrasqueira já vai preparando um perfil e uma costela para o almoço.

Final da tarde todos cansados, latas de banha guardadas no porão e varas penduradas no teto cheias de voltas de linguiça, salames, copas e morcilhas esperando a cura.

Dia exaustivo, mas prazeroso. Torresmo quentinho, estoque de carne para um bom tempo e está garantido o churrasco de Natal

Mas há um mistério. O comprimento das voltas de linguiça parecem que diminuem a cada semana. Será que alguém desamarra a ponta, come um pouco e volta a amarrar? Huumm...mistério…

Bom, continuamos engordando que nem leitão, só esperamos que tenhamos melhor sorte.

Tá bom compadre, passando tudo isso vamos carnear um porco.

Mas que culpa o porco tem?


terça-feira, 21 de julho de 2020

Vivemos muito pouco

 Vivemos muito pouco



Imaginem o tampo de uma mesa. Esta é a existência do universo. Agora imaginem apenas um cantinho de pouco mais de 1 cm quadrado. Imaginou? Pois é. Este é o tamanho da existência da humanidade. Agora dentro deste pequeno quadrado da mesa (existência do universo). Se passaram milhares de anos de que conhecemos de nossa existência. Resumo: Somos apenas micropartículas de um grão de areia. Gostei dessa explicação do astrofísico norte-americano Neil DeGrasse Tyson em um de seus programas de televisão sobre o Universo.

E relata o quão curta é a vida. Em média vivemos 68/70 anos.

E tanta gente besta fica perdendo tempo odiando, invejando, fazendo mal, acumulando, roubando dinheiro de respiradores, de hospitais.

A vida é curta. E a morte não manda recado, seja num acidente ou numa covid que levou quase 80 mil pessoas no Brasil. Só aqui na minha cidade Joinville foram 90 mortes de gente que não pode dizer tchau, dar adeus ou alguma recomendação aos filhos, netos, marido ou mulher.

Outros tantos idiotas perdem seus dias, minutos preciosos odiando Lula ou Bolsonaro. Como se eles estivessem lendo este lixo todo.

Prefiro viver cada minuto que não volta mais. Tomar meu chimarrão, ler coisas boas e aproveitar o pouquinho que resta. Já passei dos ⅔ do tempo existencial  de um humano. Então vamos lá para mais uma cuia de mate.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Vá tomar banho!

 Vai tomar banho!

Tá frio

Vai tomar banho!

Tem geada

Vai tomar banho!

Espera o sol aparecer

Vai tomar banho!

O sol ainda não está quente

Vai tomar banho!

Não tem toalha limpa

Vai tomar banho!

Banheiro está molhado

Vai tomar banho!

Chuveiro dá choque

Vai tomar banho!

Hoje não é sábado


domingo, 12 de julho de 2020

Sobremesa vai ser doce de abóbora

 Sobremesa vai ser doce de abóbora


Bom dia compadre. O mate está bom? Me serve uma cuia. 

Está! Esta erva veio lá de Áurea, nova, verdinha. Te senta aí.

Vim lá da chácara e o jipe está cheio de abóbora. Este ano deu mais que braquiária. O compadre quer aproveitar algumas? Claro que sim.

  • Piá, vem cá. Descarrega as abóboras ali do Jipe. Leva tudo para o porão. As mais bonitas deixa mais a vista e as mais feias, pequenas, separa lá no canto para o porco.

Feita a seleção, agora vem o trabalho pesado. - Amanhã de manhã bem cedo pega a pá de corte e abre um buraco de 1 metro. Separa lenha seca e deixa do lado. Vai no porão tira o tacho de cobre que está pendurado no barrote e passa uma água. Pega uma palha de aço para dar um brilho, mas passa bastante limão com sal para tirar o zinabre. Fica novinho e brilhoso.

Manhã de domingo, sol bonito trazendo os raios de uma manhã gelada, que aos poucos vai quebrando e derretendo o gelo. E no pátio, ainda úmido pelo sereno, geada derretida e frio, tem que esperar mais um pouco para tirar a lenha do porão e levar para perto do buraco. Lá pelas 10 horas a cerração já levantou, a geada derreteu e já dá para botar fogo na lenha.

O fogo aquece as mãos congeladas e doídas. O sol já das 11h faz tirar a roupa de lã, arregaçar as mangas, e colocar o tacho de cobre  sobre o fogo. Tudo ali por perto nas bacias, as abóboras descascadas e cortadas em pedaços pequenos, o açúcar, cravo e cal. A colher de madeira limpa, esterilizada com limão que mata qualquer sujeira. Arranca todo o mofo que cria na madeira.

A abóbora para estar no ponto de doce precisa estar bem perto da cor laranja indo para o vermelho  e ao bater do os dedos tem que fazer um barulho de oco, ou seja, já perdeu boa parte da água interna.

Fogo já esquentou o tacho. Derrama o açúcar e o cravo para dar um gosto. As abóboras em pedaços se misturam e mexendo com a colher de pau com cabo longo para não se queimar, aos poucos vai caramelizando mudando de cor. Vai ficando mais laranja indo para o avermelhado, e soltando o aroma do açúcar derretendo se misturando com a abóbora. Já dá para ver a calda, ainda rala que aos poucos, no fogo brando vai encorpando e ficando cheirosa.

Paciência, controle o fogo e não deixe de mexer a abóbora no tacho. O doce vai se formando, o açúcar já derretido e misturado aos pedaços de abóbora que se desmancha. O cheiro tira a concentração. Mas calma vai demorar um pouco mais até dar o ponto.  Fogo baixo, paciência e olho no tacho até dar o ponto do doce, quando começa a grudar um pouco no fundo do tacho. Não deixe queimar, controle o fogo, e não pare de mexer.

Quando começar a grudar no fundo pegue uma colherada e levante. Se ficar na colher e não escorrer é porque está no ponto. Tire do tacho, cuidado para não se queimar. Coloque em potes de conversa e deixe esfriar. Pode guardar na geladeira que já estará pronta para comer na sobremesa ou mais tarde lá no café das cinco da tarde.

Sim, na sobremesa, abóbora com nata, com queijo, com requeijão. E de tarde pode ser com pão, com bolo de milho, com torrada ou puro mesmo.

Uma colherada de doce de abóbora, bem generosa duvido quem resista.


sábado, 11 de julho de 2020

Dia de fazer pão

Dia de fazer pão



No gelado inverno de minha infância uma das boas lembranças, além do fogão à lenha era o dia de fazer pão no forno de barro lá fora no pátio. Aquecia a residência do Bolinha, meu cachorro que ficava na casinha embaixo do telhado do forno para se proteger.

Eu tinha minha função. Amassava a massa até dar o ponto. Na mesa cozinha a mãe polvilhava o tampo da mesa com farinha de trigo para não grudar e ali mesmo misturar os ingredientes: farinha de trigo, ovos, sal, açúcar, leite, fermento. Tudo na quantia exata para dar uma fornada.  Algumas vezes faltava algum ingrediente e lá eu corria com uma xícara pedir na vizinhança.

Pequeno eu subia numa cadeira e com as mãos bem limpas, lavadas com sabão e enxaguadas começava a amassar aquele volume grande que se formava um bolo de massa.

  • Amassa bem até se soltar da mesa - recomendava a mãe. E lá eu continuava naquela atividade que era prazerosa, quase uma brincadeira se não fosse tão séria. Enquanto isso ela colocava fogo lá no forno para aquecê-lo. Antes de levar os pães, ou cucas ou bolos tirava o excesso de carvão ou madeira que tenha sobrado.

Quando dava o ponto eu ganhava um pouco de massa para fazer bichinhos. A avó Elvira ajudava a montar o jacaré, o patinho e vários outros que iam assar juntos.

Massa pronta, formas untadas com banha e agora já com a massa dentro e cobertas com um pano de algodão branquinho, era esperar o crescimento. Depois levar tudo ao forno e aguardar que ficassem prontos. Mas essa espera era interminável quando se é criança e ansioso para que tudo fique pronto logo.

Forno varrido e limpo e super aquecido a mãe colocava as formas. Colocava a tampa do forno e escorava a portinha com um pedaço de madeira e fechava a abertura dos fundos do forno para não escapar o calor. Esta abertura era como se fosse a chaminé. Ficava aberta enquanto tinha madeira para sair a fumaça. 

Com meia hora de forno já dava para sentir o aroma que vinha lá de baixo.O Bolinha nervoso com o cheiro e eu esperando a hora de tirar meus pãezinhos de bichinhos e abocanhá-los puro mesmo. Mas era torturante esperar assar e depois esfriar para não queimar os beiços.

De vez em quando a mãe descia as escadas e ia até o forno para ver como estavam os pães. Ao tirar do forno uma visão de obra de arte. Meia dúzia de pães. Enormes, crescidos e dourados. Fumegando como uma locomotiva e espalhando o aroma de pão quentinho pela vizinhança.

De volta na mesa da cozinha era só desenformar. Um fatia grossa para comer pura ou com uma generosa camada de manteiga, nata ou chimia de abóbora. Precisava tão pouco para ser feliz.

Como hoje é sábado e tem bastante lenha e despensa cheia, vamos lá fazer pães para o final de semana e uma cuca de banana. Bom sábado para todos nós.


domingo, 5 de julho de 2020

Domingos de churrasco, família e vizinhos

 Domingo geralmente é dia de churrasco. E isso me lembra a “fartura” que tínhamos. Não éramos ricos. Nem nós nem nossos vizinhos, mas aos domingos se espalhava o cheiro do braseiro e da carne assando por toda a rua. Acordava até quem pretendia dormir mais. Não é possível ficar na cama com o aroma da carne assando que invade as venezianas e envolve seu nariz fazendo pular do colchão de palha, jogar de lado o acolchoado de lã e dar início a lida.

Lá pelas 9h começavam as atividades. Nada de churrasqueira com motorzinho, luzinha de led, grelha, e apetrechos gourmet.

Apenas alguns tijolos amontoados ali no pátio mesmo e o fogo feito com lenha. A mesma lenha do fogão que já está  seca e empilhada no porão. 

A carne quando a quantidade era necessária devido a um aniversário, ou comemoração maior íamos buscar num açougue/matadouro lá em Três Arroios. Ficava à beira de um riacho que cortava a cidade e o que me impressionava era que a buchada e sangue do boi jogavam no córrego e descia a correnteza. Nada de inspeção sanitária. Cerveja, tinha de ser Serramalte de Getúlio Vargas que vendia engradados num posto de vendas junto a fábrica. Para a piazada Laranjinha Balvedi.

Mas no dia a dia havia um açougue ali perto que abastecia todo mundo com carne, sal grosso e algum tempero.

Empilhados os tijolos, lenha já armada com gravetos e um buraco para enfiar uma bucha de jornal embebido em óleo e prender fogo. E já se alimentava o fogo com mais lenha  até o braseiro. Espetos limpos. Sim, claro que espeto. Onde se viu gaúcho fazer bifão na grelha. Isto é coisa de assador nutela, ou modernista gourmet.

O fogaréu ardendo, olhos vermelhos irritados com a fumaça, mas estava tudo ótimo. Lá pelas 10h30min uma bacia enorme com as carnes e tampada com um pano de algodão bem branquinho, deixado de molho no anil e alvejado no no quarador.

Fogo no ponto, estoque de madeira seca do lado, uma garrafinha com água para diminuir a labareda se a graxa da carne resolvesse incendiar mais da conta.

Começa o espetamento das linguiças, da costela, da alcatra, da cebola, do pão para tostar. As carnes eram peças inteiras. Nada de cortes pequenos ou fatiados. Cebola assada, depois picada e temperada com azeite de oliva, sal e pimenta do reino é de lamber os beiços.

Tudo pronto! Agora é só colocar sobre o fogo e sem pressa esperar. 

Como já contei ontem, os vizinhos era amigos, mais do que parentes. Cada um na sua casa também já preparou seu espeto. E era hábito três ou quatro vizinhos, cada um trazia sua carne espetada para aproveitar o mesmo fogo. Afinal, era um momento para ficar se aquecendo, conversando com a cuia de mão em mão ou uma caipirinha para abrir o apetite que geralmente era feita num canecão daqueles de baile de chope. Dava um litro de caipira. 

E nas cozinhas de cada casa, continuam os preparativos de uma salada de alface, radicci, maionese, farofa, arroz doce, ambrosia, sagú, cuca com frutas.

Carne no ponto, cada uma para sua casa almoçar com suas famílias. De tarde uma sesteada porque ninguém é de ferro.  Claro que sim, acorda lá pelas quatro da tarde para estar disposto para um chimarrão com carqueja que ajuda na digestão.  Café com cuca, pão com chimia, manteiga, salame, queijo e duas voltas de  linguiça só lá pelas cinco e meia. Afinal ninguém é de ferro. 


sábado, 4 de julho de 2020

Conhecíamos os vizinhos

 Conhecíamos os vizinhos



Como era bom quando conhecíamos os vizinhos. Onde eu nasci e me criei, conhecíamos os vizinhos. Alguns viraram compadres outros eram tão amigos que eram como irmãos. Era comum os pequenos tratar os vizinhos próximos como Tio e Tia mesmo sem parentesco. Eram uniões de amizade, de solidariedade, de empatia de carinho, atenção e ajuda mútua. Todos sabiam da vida de todos, dos casamentos, dos filhos, dos problemas, das conquistas, das derrotas. Os bairros ou quadras eram microcosmos que conhecíamos bem e tínhamos segurança e liberdade.

As portas das casas nunca estavam trancadas. Entrávamos sem avisar, não havia nenhuma cerimônia nem mimimi. Não havia solidão. Passados mais de meio século é claro que lembro dos vizinhos: Santolin, Galli, Chiodi, Preá, Tibursky, Canova, Guimarães, Hubner, Setembrina, Fanin, Pichler, Malinowski, enfim muita gente. Hoje na minha rua, em Joinville,  só conheço das duas casas do lado. 

E no momento que estamos vivendo precisamos ficar  mais distanciados e isolados. Dias atrás fui num supermercado e chegando na porta um rapaz veio ao meu encontro, visivelmente alterado. Deu um efusivo bom dia e veio em minha direção sorrindo. Mas uma alegria com olhar triste e semblante quase desesperador. Fala comigo, por favor. Eu não quero dinheiro, não vou te assaltar eu só quero alguém que fale comigo, ele repetia. Fiquei assustado, pensei em chamar a segurança, mas parei e ouvi. Ali mesmo em pé na porta do supermercado. Ele só queria uns poucos minutos de conversa com um ser humano. Só isso.

Agora lendo o jornal A Notícia na edição impressa de final de semana, publica uma matéria sobre os avanços da tecnologia na criação de robôs para que as pessoas conversem com este aplicativo, através de seu smart. É o tal de Replika que já é usado por mais de meio milhão de pessoas nos Estados Unidos. Triste o caminho da humanidade. Em breve vamos conversar com filhos e marido e mulher por aplicativos mesmo estando na mesma casa.

Ainda prefiro o contato com as pessoas, uma roda de chimarrão, um cafezão da tarde e um churrasco com os amigos, um passeio ao ar livre. 

Já estou mateando desde às 5h esperando a cachorrada acordar. Pelo menos eles ainda me ouvem.