quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Porcada ruim

 Porcada ruim


Em cidades do interior eram comuns campeonatos de futebol na área rural. Aqui em Joinville tinha o famoso Copão Kurt Meinert. Lá em Erechim, havia certames fortes com disputas em Jaguarete, Aratiba, Cotegipe, Capo-Erê, Áurea, linha Gramado e tantas outras localidades.

Nunca fui aficionado deste tipo de esporte, mas tinha um colega de aula que gostava e levava a turma de caminhão.

Haveria um jogo grande lá no Flamenguinho de Capo-Erê num domingo de tarde. Me convidaram para ir junto, como nada tinha para fazer me juntei ao pessoal.

Meu colega pegou o caminhão, um Chevrolet D-60, motor inglês perkins diesel de 6 cilindros e capacidade de 5.8, cabine verde, carroceria de carga geral seca, lona impermeável dobrada. Mas seu pai com forte sotaque italiano recomendou:

  • Guri, non me vai fazê cagada. Òia lá o que von aprontá. Os puliça ton por aí- desfiou o rosário.

 E lá fomos nós recolher o pessoal. Ficaram de esperar na avenida Sete de Setembro, no Seminário Nossa Senhora de Fátima, saída para a transbrasiliana. Seguimos com o caminhão cheio, pessoal com fardamento completo nas bolsas e nunca faltava um engradado de Serramalte, fabricada na vizinha Getúlio Vargas.

Era um domingo bonito, pouco movimento, estrada quase deserta.Íamos pela rodovia RS-135, um trecho pequeno inferior a 20 km. Passado o posto de gasolina perto da Frinape havia um posto da Polícia Rodoviária Estadual. Para evitar problemas meu colega deu uma parada alí perto da Madeireira do Viero e mandou colocar a lona sobre a carroceria e todos ficaram quietos embaixo da lona naquela calorão. Estavam cozinhando.

Seguimos viagem, todos veículos passavam, mas não sei porque cargas d'água um policial parou nosso caminhão. “Deve ser coisa mandada do adversário” - pensei. “Vai dar cagada”, se apavarou meu colega motorista. “Bem que o véio avisou”, lembrou. Mas tentou manter a calma. E faltando apenas uns poucos quilômetros para chegar.

  • Boa tarde! Documentos do veículo e CNH - ordenou o policial rodoviário estadual. Prontamente foi entregue o documento do caminhão.

  • E sua carteira de motorista? - indagou o policial.

  • Esqueci em casa, saímos meio rápido - Eu sabia que era mentira, pois tínhamos 16 anos. “Agora vamos todos presos”, imaginei.

  • De onde vem e para onde vão? - Questionou o guarda.

  • De Erechim para Capo-Erê - respondeu.

  • O que tem aí atrás? Tá levando o que? - interrogou

  • Uma carga de porco para uma granja - respondeu rapidamente.

O policial segurando os documentos do caminhão, olhou desconfiado já que os porcos estavam em silêncio e com lona naquele calor. Não era uma caminhão porqueiro e nem tinha cheiro. Meu amigo suava frio, tremia com as mãos no volante pensando na bronca do véio e na surra de cinto que iria levar. Imagina cadeia, perder o caminhão e ainda ter que o gringo gastar em advogado. 

O guarda foi caminhando, cheirando, verificando a carroceria. Botou o pé no estribo subiu e levantou a lona. Lá estava todo o time deitadinho e quieto, sem nem um pio. Olhou, tapou a lona, desceu e voltou para a cabine. Voltou devagarito e pensou um pouco.


  • Carga de porco, né? Eu vi...piá de bosta. Acha que pode me enganar? Vou te dizer só uma coisa. Liga este caminhão véio , te arranca daqui. Não quero te ver. Esta tua carga de porco é tão ruim que nem para sabão serve. Volte lá pelo Toldo. Se passar aqui de novo, prendo o caminhão e vocês vão voltar a pé.

Apavorados seguidos os poucos quilômetros até o destino. Resultado da partida:  5 x 0 para o time local e a volta pela estrada de chão, esburacada e poeirenta. Melhor do que voltar a pé. E a porcada? Concordo não serviam nem para fazer sabão e muito menos para jogar futebol. Tudo Duroc!


terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

80 anos de LHS

 80 anos de LHS



Neste dia 25 Luiz Henrique da Silveira estaria completando 80 anos. Tive privilégio de ser seu Secretário de Comunicação na Prefeitura de Joinville e acompanhá-lo como assessor de comunicação em campanha eleitorais. Andamos pelo mundo.

Santa Catarina e Joinville eram suas maiores paixões. Aqui tudo era melhor, tudo era mais belo. Exagerava também, mas era para exaltar o que tínhamos de bom.

Dou exemplos: Serra do Rio do Rastro era mais linda que o Grand Canyon; nossas praias eram melhores que as do caribe, os litoral aos pés da serra era algo incomum. O vinho produzido em São Joaquim nada perdia para os melhores do mundo. O queijo produzido no extremo oeste sem sombra de dúvidas era melhor que os franceses. Ele era assim. Via coisas boas, enaltecia, valorizava.

Joinville deu um salto de qualidade quando ele se elegeu prefeito pela segunda vez em 96. Seu governo tratou de começar na quinta marcha para o município não perder tempo. Deu grandiosidade com o incremento para o setor de serviços e cultura. Vivíamos um momento grandioso de efervescência cultural com Centreventos, Teatro Juarez Machado, Bolshoi.

Infelizmente não está mais entre nós. Tinha disposição para muitos anos de realizações ainda.

Vamos relembrá-lo com carinho, de alguém que sempre colocou Joinville e Santa Catarina como prioridade. 


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Salvei duas almas perdidas.

 Salvei duas almas perdidas.

Hoje de manhã eu estava em frente a “repartição” onde trabalho e vieram dois sujeitos, destes sem-teto que vivem por aí e almoçam no Restaurante Popular. De longe dava para sentir o cheio da cachaça e da falta de higiene pessoal.

  • Bom dia , Tio - disse o mais jovem me estendendo a mão.

  • Bom filho, que Deus o Abençõe - respondi cumprimentando-o com um forte aperto de mão e olhando fixo em seus olhos. O colega dele ficou mais adiante.

  • E aí, tio esperando o Carnaval? - puxou conversa.

  • Filho, isto é coisa de pecador. O Carnaval foi inventado pelo coisa ruim para levar gente boa para o pecado. É uma festa de pecadores onde abusam da bebida, ninguém trabalha e acabam mortos ou doentes.

  • Amém, o senhor tá certo tio. O que o senhor faz? - questionou com os olhos arregalados e meio assustado com meu discurso.

  • Sou o pároco aqui da capela. Vocês querem entrar e rezar comigo? Vejo em seu olhar o pecado da bebida. -

  • Obrigado tio, padre… - balbuciou meio atrapalhado.

  • Temo que ir , temos que ir. Sua benção...

  • Deus te abençõe alma recuperada e nada de bebida, nada de carnaval.

  • Tá bom, padre, tá bom. Amém.

E seguiram pela Afonso Pena, dobraram a Urussanga e foram para a fila do Popular.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

O apito mágico

 O apito mágico


O apito mágico era ouvido há muitos metros de distância. Eram duas passadas na boca do vendedor que ecoava pelas ruas do bairro. Tinha um efeito maior que o ultrassom. Ouvidos afinados, ouvíamos mais que cachorros.

O encantador do apito fazia qualquer um largar tudo e sair correndo para a rua com alguns trocados. Estava passando o vendedor de picolé ou de algodão doce.

“Picolé. Sorvete e moreninha” gritava o picolezeiro empurrando em dias de sol escaldante o carrinho. Era tudo sortido. Tinha picolé a cinquenta centavos daqueles de gelo sabores limão, laranja, abacaxi. Os de creme e chocolate custavam um pila. E tinha a “Moreninha”, um sorvetinho embalado com casquinha redonda e cobertura de chocolate. Este custava mais. Era de um pila e cinquenta centavos.

Os faladores da rua diziam que o picolezeiro lambia os picolés antes de vender naquelas tardes de sol mais quente que o deserto do Sahara.

Outra atração do apito mágico e encantador era o vendedor de algodão doce. O carrinho era uma festa. Decorado com balões, geralmente pintado em cores primárias para chamar a atenção da criançada. O luxo era escolher a cor na hora. O carrinho com um queimador a gás protegido por uma caixa de vidro como se fosse carrinho de pipocas, mas a mágica era fabulosa. O cheio de açúcar queimado entrava pelas narinas, aguçava o paladar e a gente ficava com água na boca. O algodoeiro, vamos chamá-lo assim, despejava o açucar, o queimador rodava e começava a formar fios bem fininhos do algodão que ia enrolando numa haste de madeira. Eram das mais variadas cores. Conforme a essência que misturava trocava a cor e o sabor. 

Cercávamos o algodoeiro. Cada um querendo primeiro o seu. Saíamos grudendos mascando o doce que derretia no contato com a boca e se transformava num açúcar doce. Mãos grudendas esfregávamos no calção, na  camiseta e seguíamos a brincadeira. Amanhã eles voltariam.

Dentes? Claro que cariados, prejuízo aos pais que gastavam em dentistas. Mas era bom.


Cortar grama no sol

 Cortar grama no sol



Com o calorão que deu nesta terça-feira, mais de 40 graus, confesso, que nem se a Luiza Brunet me ligasse não atenderia.

  • Meu fofo, meu lindo, me atende. Passo aí te pegar! Ela deixaria recados e eu nem aí. Sem a mínima chance.

Mas neste calor que mais parece uma fornalha de fundição, ou o deserto do Sahara não dá vontade nem de tirar o focinho para fora de casa com ar condicionado ou ventilador. Aproveitei no final do dia para recolher algumas folhas, grimpas e cortar  grama. Daí lembre de um causo que preciso contar para vocês verem até onde vai a dedicação de sujeito apaixonado. Sim! Só pode ser algo avassalador.


Há alguns anos um colega, parrudo, bem acima do peso, arrumou uma namorada lá pelo Costa e Silva, distante de sua casa, de sua família que morava no Itaum. Imaginou: “quem vai me achar aqui, afinal é longe, pessoas diferentes, mundos diferentes e nem são da mesma religião”. O namorador passava algumas tardes na casa da namorada e na sua residência ninguém desconfiava, pois era bom pai e bom marido. Mas sempre cansado. O mato tomando conta do quintal, cachorrada com berne e a patroa pedindo que ele ajudasse, que pelo menos desse uma roçada na capoeira, atirasse creolina no cuscos para diminuir pulgas, percevejos e bernes.


-Daqui uns dias tem cobra aqui dentro e você sempre cansado. Não me serve pra nada mesmo. Para nada! - sentenciou a esposa de um casamento que superava duas décadas. E o pachola continuava visitando a namorada e se cansado.


Numa tarde parecida com a de ontem, quando nem quem tem cabelo ruim faz chapinha, a mulher do personagem pega o filho e vai visitar uma comadre costureira. O ônibus ia do Itaum até o terminal central. Ali esperou alguns minutos para pegar o Costa e Silva que ia até o final da linha. Há 40 anos o transporte era mais difícil e os bairros pareciam mais distantes. Atravessar a cidade era uma epopéia, ainda mais num calorão que até porco emagrecia.


Lá foi ela, entra em ônibus apertado com dois filhos, um casalzinho, o menino com 12 anos e a garotinha com uns 8. Chegaram no terminal do centro, descem, pagam nova passagem e entram no carro que fazia a linha para o Costa e Silva. Cansados e ônibus cheio foram em pé suando, agarrados nas hastes pega mão.


Após 30 minutos de anda e pára, sobe e desce de passageiros, empurra daqui, empurra de lá. Dá licença, dá licença - era isso a todo momento, o ônibus entra em uma rua menor com casas espaçadas e amplos terrenos, no final da jaceguay, quase na BR-101. Costa e Silva ainda tinha umas casas isoladas que parecia rural. E o sol estalando o teto do ônibus. 

  • Manheeeeee! Grita o garoto puxando a saia da mão. Manheeeee! Manheeeee”.

  • O que foi guri, vai me deixar sem roupa no ônibus? O que foi ?

  • Manheeee! Manheeee! E apontava para fora do ônibus para ela ver a janela.

  • Que coisa chata, “Tamos chegando”, fica quieto - tentou acalmar

  • Manheeeee, olha lá é o pai cortando grama neste calorão - apontou o dedo duro.

  • Pára esta merda de ônibus. Pára esta porcaria agora - ordenou a mulher

  • Minha senhora puxa a cordinha que eu só posso parar na próxima parada - orientou mo motorista.

  • Cala tua boa, pára o  ônibus ou te dou na cara. De tu e deste paspalho de cobrador- ameaçou.

Desceu com olhos vermelhos, alterada arrastando as duas crianças. Apertou o passo de volta até chegar onde estava o sem-vergonha.

  • Clap! Clap! Clap! Batia a chinela na estrada que ainda não tinha calçamento.

  • Bonito hein! Lá em casa você não faz nada disso. Sempre cansado. Agora vou te mostrar como se faz um trabalho bem feito. Vou te lanhar a cara com minhas unhas. Tua cara e desta sirigaita. - Largou os filhos, pulou a cerca, num salto que daria inveja ao atleta olímpico João do Pulo e abriu cinco fendas na cara do nosso amigo. Até parece que foi um ataque com as garras do Wolverine.

Quando viu o tempo  mais quente, o protagonista sangrando partiu a pé. Correu para a rodoviária e ficou escondido uns três meses em Barra do Sul até que tudo se acalmasse, cicatrizar o focinho e voltar de mansinho para ajeitar as coisas.


Nunca soube se foi perdoado. A única certeza é que continua morando na Barra do Sul. Dias atrás me convidou para visitá-lo e tomar uma caipirinha no gramado ali perto da lagoa.

Huumm.  Pensando bem. Acho que vou ficar por aqui.  Vai que a dona Wolverine aparece e grite:

  • Quem é este jaguara contigo. Este que te levou para a perdição? - Aqui é mais seguro.


Ele só me atenta



  • Quero “dar parte” da minha mulher! - disse Valter na Delegacia da Mulher, bem cedido, onde chegou de madrugada pra ser o primeiro atendido.

  • Então o senhor sente e me conte o que houve - ordenou a funcionária que faria o BO - Boletim de Ocorrência.

  • Quero denunciar minha mulher que me atacou com uma tesoura e me furou. Queria me matar. Relatou o nosso amigo e meio envergonhado levantou a camisa para mostrar as pontadas de tesoura, já que a mulher era costureira e aproveitou o que tinha na mão para afastá-lo.

  • O senhor espere um pouco que este caso vou ter que falar com a delegada - orientou a escrivã.

  • Me acompanhe, por favor. E lá foi ele na sala da delegada que pediu que ele contasse a situação. Orientou que chamaria a esposa para ouvir a versão dela.

No dia da audiência de dona Maria, lá ela se apresentou, com uma Bíblia embaixo do braço, vestido comprido até a canela, cabelos presos, óculos grossos e um cardigan de lã com bolsos onde ainda tinha dedal, retrós de linha e agulhas e alfinetes enfiados na lapela. Instrumentos de seu ofício de costureira.

Apresentou-se na Delegacia da Mulher e mostrou o papel da intimação. Foi encaminhada diretamente para falar com a delegada.

  • Bom dia dona Maria. O seu Valter esteve aqui contando que a senhora atacou ele com uma tesoura, me conte o que houve. Foi verdade ou ele está inventando?

  • É verdade doutora. - respondeu

  • Mas qual o motivo? - indagou a delegada abismada com a sinceridade da resposta, porque em 99 % dos casos é a mulher a vítima.

  • É que ele me atenta.

  • Mas o que ele faz? De grave?

  • Ele me atenta, já lhe falei.

  • Mas ele é ruim, violento?

  • Não! É um bom homem e me deixa todo o salário dele.

  • Então não entendo, ele abusa das filhas? Provocou a delegada para investigar as causas.

  • A senhora “ tá loca?” Já falei que ele é bom, trabalhador e respeitador.

  • Estou perdendo a paciência! Endureceu a delegada. O que ele fez de grave para a senhor avançar com a tesoura e tentar matar seu marido?

  • Ele me atenta! Me atenta! Não quero isso. O pastor disse que é pecado. - confessou dona Maria.

Daí a delegada entendeu do que se tratava. Nosso amigo só queria um momento de carinho, atenção e quem sabe um beijo, após tantos anos de casamento. Tanto atentou até que sofreu um atentado. Haja amor! kkk


sábado, 15 de fevereiro de 2020

Sabores da minha infância

                                                           Sabores da minha infância


Sempre gostei de comer bem, e sempre lutei contra a balança por causa do peso. Mas o prazer de uma boa mesa é algo indescritível. Mesa cheia, comida deliciosa, aromas e sabores. Meus programas preferidos na TV são os de culinária, documentários e séries tipo CSI.


Mas voltando 50 anos no passado, os aromas e sabores ainda estão na minha mente. Nas sextas-feiras de frio tinha brodo, um caldo de galinha que ferviam o dia todo e de noite comíamos com a presença de alguns vizinhos. Vinho tinto, pão de forno que tínhamos no fundo do quintal.


Nos domingos o tradicional churrasco feito em espeto. Só vim conhecer grelha 30 anos depois em Joinville. Outro aroma que vem na lembrança são dos tachos de doces. Fogaréu no pátio, tachos de cobre, pás longas de madeira, açúcar, frutas. Dalí saiam doces de abóbora, figo, pêssego e tantas outras.


A sopa de feijão que minha cunhada Rosa fazia era um espetáculo. Dava para lamber a panela e o pão grosso com molho de carne da vizinha Dona Palmira já comentei aqui tempos atrás.


Mas às vezes aos domingos me levavam para almoçar na casa do “seo”. Pedro Pichler pai. Um austríaco que se migrou para o Dourado com a família e depois se estabeleceram em Erechim, ali perto do frigorífico. Ele é pai de meu cunhado.


Na propriedade ainda existe um belo mato de araucária preservado e ele se dedicava a limpar embaixo daquele bosque, juntava folhas e grimpas, mantinha tudo organizado. Aos domingos preparava o churrasco. Era uma churrasqueira feita de pedras embaixo das árvores e ali também tinha uma mesa com bancos para o almoço. Minha preferência era um frango que ele preparava, com temperos de ervas finas todas de sua horta. Ervas, sal e pimenta. Assava com calma até dourar. Aquilo se desmanchava, O aroma percorria com a brisa todo o bosque e os sabor ainda sinto na boca. De sobremesa minha preferida era o apfelstrudel feito por dona Irma. E algo que me chamava atenção do seo Pedro é que ele tomava muito café durante o dia, mas gelado. Sim. Fazia um bule de café colocava na geladeira e tomava aquilo como se fosse água, sem açúcar. Achava estranho, mas enfim, melhor não contrariar.


Aroma e sabor também de boa lembrança é quando matávamos porco. Dia todo de trabalho, Mata o bicho, pela, corta, faz torresmo, linguiça, salame, latas de banha que eram guardadas no porão. O tacho queimando a pele para fazer o torresmo era um aroma que inebriava as narinas e o torresminho quente saboroso. De sobremesa ambrosia ou arroz doce com canela.


Huuummm, que delícia. Deu fome.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

A viúva do cunhado

  Na periferia de Joinville há um universo totalmente distanciado da realidade que vivemos na área central e são mundos densos, que envolvem amor, traição, contravenção, vingança e guerras de facções criminosas. Molho especial para uma ótima trama de filmes tipo tiro, porrada e bomba que fazem sucesso nos cinemas.

Creusa (é assim mesmo) Creusa já foi uma moça atraente, daquelas que ainda adolescente entram num shortinho três números menor e nem se importam com o frio. Blusinha curtinha mostrando o piercing na barriguinha e nos pés apenas com uma rasteirinha. Não tem onde morar e nem o que comer, mas ostenta um IPhone 12 com fone de ouvido e spotify. De onde grana? Acho que de admiradores que a cortejam. 

Mas a beleza da juventude já deixou suas marcas em menos de cinco anos. Já é uma velha aos 19/20 anos com dois filhos para sustentar sozinha. Viúva, sem profissão e sem recursos. Mas o plano de internet do Iphone não pode faltar. Comida para os filhos? A lamentação é sempre a mesma.

Mas nossa personagem está aflita, tensa e com medo. Quer resolver logo sua vida. E precisa de um novo marido para pagar as contas. Com 30 anos certamente vai estar com 8 filhos e com cara de 100 anos.

Ocupante de um imóvel no Ana Júlia, que é uma urbanização na periferia sul de Joinville, ela quer alterar o cadastro para tirar o nome do marido. Mas a coisa não é tão simples. Há um cadastro, legislação a cumprir e uma série de procedimentos legais.

Ao ser atendida, aflorou a atriz. Sim! Esta turma sabe agir com maestria frente ao palco dos serviços públicos.Se precisar choram. Fez beicinho de emoção e contou a real situação para ser atendida em tirar o nome do traste do contrato do imóvel.

De uns tempos para cá o marido que se chamava Paulo, que um dia foi só amor, satisfação e intimidade que resultaram em dois filhos e o envelhecimento precoce da Creusa, estava mudando.

Era sabichão, metido, festeiro e saliente. Começou a ficar em casa, cortinas fechadas e o dia todo na TV. Assistia Ana Maria Braga, Sessão da Tarde, programa do Datena, Ratinho e não saia nem para ir ao bar. Uma vez passou uma Yamaha com escapamento aberto que parecia uma metralhadora. Saltou para baixo da cama e não queria sair.

Há uns três anos um filho pediu que o pai Paulo fosse comprar um lanche, comer algo diferente. Paulo chamou a Creusa e foi só o casal. Trariam o lanche para a piazada. Tirou o Gol bege velho da garagem e foram em direção a Kurt Meinert. Estava com uma estranha sensação de que alguém estava seguindo, sendo observado. Imaginou, que deveria estar ficando louco, que era cisma.  

Quando uma CG com dois caras usando balaclava se aproximaram ele pressentiu que chegou a sua hora. Instintivamente abriu a porta e empurrou Creusa para fora. Ela caiu se machucou bastante, porém sobreviveu assistindo o fuzilamento do marido. 

Abalada, procurou a Delegacia “deu parte do crime” e retornou para casa.

Tentou retomar sua vida. Tudo seguia tranquilo até que sua casa foi atacada a tiros. Os assassinos souberam da sobrevivente e não queriam testemunha. Já havia prêmio pela cabeça dela.

Sumiu da noite para o dia com os filhos até tudo se acalmar.

Mas Creusa tinha de voltar para resolver algumas questões e esclarecer seu maior segredo.

Paulo não era Paulo. Era Juarez. O marido havia usado documentos roubados do irmão que é fichado, membro de facção e de alta periculosidade.

E para piorar a situação de Creusa, ao chegar em Joinville para esclarecer todos pontos e retomar sua rotina, descobre que está com câncer no cérebro devido às sucessivas pancadas na cabeça com a coronha da pistola que o marido lhe agredia.Certa vez a surra de coronha de pistola foi tão forte que ficou em coma alguns dias. Advogados não querem sua causa, sabedores que são da verdadeira identidade do cunhado que teve os documentos usados indevidamente para o casamento. E para provar a verdade precisaria estar frente a frente com o pistoleiro da facção Juarez e fazer a exumação de Paulo e através de exames provar o que está contando.

Triste fim daquela garota que parava o comércio quando passava na Kurt Meinert com seus shortinhos e blusinhas.. Desgraça pouca é bobagem. Isto é  a vida como ela é!



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Eu nunca mais vou te esquecer

 Eu nunca mais vou te esquecer


Esta é uma música de Moacyr Franco lançada em 1972 que fez muito sucesso na época e até hoje é regravada. Cantada com emoção pelo compositor/cantor fazia alguns fortes de alma chorar sob o efeito de alguma bebida, que mexiam com seus sentimentos e traziam lembranças. Assim era um amigo meu. Baita companheiro. Gostava de churrasquear todo final de semana e não se contentava com um dia só. Começava na sexta-feira cedo, lá pelas 17h já estava no BIG enchendo o carrinho. Faça chuva ou sol o braseiro estava sempre aceso.

Finais de semana era churrasco, cerveja, vinho e até “porta aberta” (bebida comum, principalmente no mercado público de Porto Alegre. Uma mistura de vinho com Coca-Cola). Quando a coisa esquentava preparada um Rabo de Galo (cachaça com Vermouth). Era metido a cozinhar entrevero, feijoada, carreteiro e outras iguarias. Não tinha tempo ruim e se tivesse jogo do Grêmio na TV aí era mais um churrasco dia de semana. Para ele todo dia era dia de comemorar, até mesmo pelo milagre de  viver e apreciar as coisas simples e belas da vida, como estar entre amigos, conversar contar causos, piadas, comer beber, dar risadas. Soube aproveitar a vida com intensidade até que aos 48 anos o câncer lhe levou.

Mas voltemos aos churrascos e noitadas. Era caseiro. Sempre na sua churrasqueira, convidando amigos e lá na madrugada quando todos iam dormir, ele que já estava em casa abria mais uma e prometia para ele mesmo. -É a última, a saideira!. Copo vazio, abria outra e nova promessa. Não deixava a gente ir embora: - Só mais uma uma, fica aí.  E enigmaticamente balbuciava sussurrando: “Nunca mendigues amor! Não vale a pena!”.

E ao fundo da churrasqueira um toca-discos Gradiente meio empoeirado, fanhoso com caixas de som comidas pelo cupim saia um sonzinho meio fraco. Até parece que o cantor já estava cochichando e cansado. E todo final de noite, de madrugada o disco  e a canção eram os mesmos: Moacyr Franco; Eu Nunca Mais vou te esquecer. Sim, claro, daquele elepê de 72 que guardava com carinho até hoje. Capa ensebada, vinil riscado para a última faixa do lado A intacta. Deitada no piso a cadelinha que parecia entender o sentimento do dono que enchia os olhos de lágrimas ao ouvir Moacyr Franco. A cachorrinha vinha lambia os pés dele e resmungava algo na língua de cachorro, algum lamento de compaixão pelo sofrimento da alma e coração de seus companheiro de churrascos.

Sempre tive curiosidade de perguntar qual foi sua grande paixão,  qual foi sua dor de amor ou cornismo para cultuar esta música que conta a história de um grande amor  que Prometeu amor e devolveu saudade. Não perguntei e nunca mais tive a oportunidade para isso. Deve ter sido algo muito profundo, cujo segredo levou consigo.  Vamos cantar juntos, então...e abre a última.


Se eu tivesse o coração que dei

Tivesse ainda ilusão, nem sei

Coragem pra recomeçar no amor

Bobagem, pois amor assim, só um

Agora é vida sem razão, porque

Tentando orar eu só rezei você

A sua ausência mais e mais me invade

Pediu amor e devolveu saudade

Eu nunca mais vou te esquecer

Eu nunca mais vou te esquecer, meu amor

Agora é vida sem razão porque

Tentando orar eu só rezei você

A sua ausência mais e mais e mais me invade

Pediu amor e devolveu saudades

Eu nunca mais vou te esquecer

Eu nunca mais vou te esquecer, meu amor

Eu nunca mais vou te esquecer

Eu nunca mais vou te esquecer

Eu nunca mais vou te esquecer

Eu nunca mais vou te esquecer, meu amor


terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O monstro do Erechim

 O monstro do Erechim

Há 40 anos o serial killer aterrorizava a região



Era 1980, quando comecei a estudar de noite na Escola  Estadual Normal José Bonifácio, no centro de Erechim. Cursava o segundo grau noturno e trabalhava de dia. 

O clima era de terror e medo na cidade e região, já que o maníaco, canibal, assassino Luiz Baú estava solto, cometendo crimes terríveis. Matava garotos, depois de abusá-los. E eu é claro, com medo. Tinha 15 anos e estudava de noite. As aulas terminavam às 23h15min e tinha uma caminhada pelas ruas até em casa. Morava perto cerca de um quilômetro e meio que fazia em 20 minutos a pé.

Até então muitas casas nem trancavam as portas, pois a vizinhança entrava sem cerimônia um na casa do outro. Mas com o terrível assassino à solta todo cuidado era pouco.

Para ir para a aula cedo não era problema, mas ao voltar quase meia noite o temor crescia. Meu caminho de volta era atravessando a praça da Prefeitura, avenida Pedro Pinto de Souza, descia a Itararé e estava em casa seguro. Mas o pequeno trecho da Pedro Pinto era meio escuro e com alguns prédios antigos abandonados. Inicialmente eu ia pelo meio da rua, depois mudei o trajeto para a Sete de Setembro, e Ruy Barbosa. Eram ruas mais claras, mais movimento.

Mas o tal Luiz Baú estava nos comentários de toda região, apontado como autor de cinco assassinatos, sendo quatro garotos e um idoso. Todos temiam.

Imagina encontrar o Baú na rua?

As mães amedrontavam:

  • Guri, vem pra dentro que o Baú vem te pegar - ameaçavam. Não se via ninguém nas ruas depois das 18h.

Mas quem tiver interesse em conhecer a história verdadeira do serial killer erechinense tem um link que coloco com um livro em PDF de autoria de Humberto José Rocha. Leitura boa, esclarecedora e fiel aos fato. Vale a pena  leitura.


Livro - PDF


A Democracia é um bela morena

 A Democracia é um bela morena


O Brasil estava retornando a abertura política com o fim do governo Figueiredo. Alguns líderes como Brizola retornaram do exterior com  a anistia de 79. As campanhas políticas eram motivadas por grandes líderes populares, comícios,  foguetes, carreatas, visitas de casa em casa, apertos de mão.Chimarrão na casa de um, cachacinha na casa do outro, Entravam na cozinha para experimentar o molho que a dona da casa estava fazendo.


Os políticos não tinham Lei de Responsabilidade Fiscal, nem qualquer controle Não que fariam algo errado, mas podiam empregar quem quisesse, definir se calçava ou não uma rua e ajudavam as pessoas. Mandava um caminhão aterrar um terreno, dava caixão funerário para pobres que morriam, remédio para quem necessitava, ajudava construir uma casa enfim o que hoje seria inaceitável.


E lá no Planalto Norte, quase no Paraná, havia um prefeito muito popular, baixinho, gordinho, de pouco estudo, mas falava bem a linguagem popular. Era do partido de oposição e tinha um discurso  firme. Porém era namorador. Mesmo baixinho, barrigudo, careca e pouco estudo. Seu encanto deveria ser a bondade, ou sua atenção aos simples ou a carteira aberta.


Em cidades pequenas todo mundo sabe da vida de todo mundo. Sabem onde moram, o que fazem, quais visitas recebeu. Enfim, plataforma  de informações melhor que o Google.


Na época marcaram uma série de eventos pela redemocratização do Brasil, mesmo que nos municípios sempre foram realizadas eleições diretas, com exceção das capitais. 


No dia marcado para o comício na cidade do nosso personagem, praça lotada. Quase toda população estava lá na praça. Faixas de deputados e senadores, palavras de ordem pela redemocratização e Diretas Já, abraços apertados, reencontros, todo um clima de festa, no domingo de manhã às 10h após a missa das 8h. Depois cada um seguiria seu rumo ou compraria um delicioso churrasco ali na Paróquia.


O dia estava bonito, ensolarado, mas com uma leve brisa típica do Planalto Norte. Iniciadas as falas, primeiro os pitocos. Vereadores, lideranças locais. Depois foi a vez do deputado federal, maior autoridade presente. E por fim nosso prefeito.  


Se apresentou com uma faciota nova, corte italiano feita por um alfaiate de Curitiba. Não economizou, pois o momento era de glória. Sapato social cromo alemão, camisa volta ao mundo e tratou de colocar seu correntão de ouro e pulseiras. Afinal era o prefeito e tinha que se apresentar bem. Derramou algumas gotas de perfume e uma lambida de gel nos poucos cabelos encaracolados. Devidamente barbeado e com forte cheiro de Bozzano seguiu para  a praça.


Chegando lá, de peito estufado e orgulhoso pela resposta positiva da população que encheu a praça, passou cumprimentando a todos.Subiu no Palanque, esperou todos discursadores até chegar sua vez.


Fez uma pausa. Respirou profundamente. Olhou para o horizonte e lascou:

  • “A democracia é linda. A democracia é voluptuosa. A democracia é carinhosa. A democracia está em nosso coração e em nossa alma. A democracia é como uma linda morena, de corpo cheio de curvas, de cabelos escuros, sedosos, com perfume de alfazema”. E foi discorrendo as qualidades da Democracia.


Mas como em todo comício sempre tem um bêbado, desta vez não foi diferente. Empolgado com o brilhante discurso do prefeito, o correligionário meio grogue chegou perto do palco, subiu dois degraus e  apontou para um banco da praça próximo onde estava uma  moça que descrevia com fidelidade a Democracia a quem o prefeito fazia visitas regulares há algum tempo.

  • “Prefeito! Tá ali a sua democracia!”- População caiu na gargalhada, pois era um fato que todos comentavam na pequena cidade, onde todos sabem de tudo. A bela morena só restou sair da praça rapidinho e o prefeito encerrar o discursos agradecendo à todos pela presença e convidando para o churrasco da Igreja.

Mesmo assim, foi prefeito duas ou três vezes e vereador 

A Democracia realmente é linda!